Publicação em destaque

Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

25/11/2023

Provérbio


Os que partiram 
deixaram os nomes

 

Caminho abandonado

para o velho moinho... 


Um dia d'estio, de sol dardejante, 
As roupas cobertas de terra e de pó,
Perseguia o fugidio trilho errante
Dos filhos dispersos da mis'ra Judá - 
Peregrino do Amor no silêncio atroz - 
O místico raiar no semblante da Fada.

Só o moinho 
abandonado 
lhe recolheu a voz
das jovens morenas
que ali vinham cantar.

(aperfeiçoando uns versos desconhecidos de Furtado Coelho, entre sorrisos e prantos)

24/11/2023

O salto fundador

da linhagem consiste num mergulho em abismo, transcendental à relação objeto-sujeito, fundindo os termos numa não-dualidade vertiginosa obstinada


(isto passado, alguém dirá: ninguém pode impedir o destino - mas o destino é, também, uma implosão; em torno dela, suaves serão as ondas)
 

23/11/2023

Burro zebrado com pernas cortadas - resumo aristotélico

 Pois, enquanto poeta, o lírico imita necessariamente. 
Não o que vê, mas o que podia ver. 
O que podia sendo estruturado segundo padrões formais, fractais e platónicos ao mesmo tempo. 


Vou dar um salto sobre o abismo - estória da velhice poética



tentando não tropeçar. O conhecido Homero, seja quem for, envelheceu sem desistir. Os de que falarei por aqui, todos, envelheceram sem se calarem. O prudente Horácio calculou pesos e, medindo a guerra e a terra, foi viver para uma quinta não muito longe de Roma, de onde envelheceu com uma sabedoria que transmitia por verso a todos. Houve apenas um problema: sem se ter vivido muito não se podia saborear nem reconhecer a sabedoria. Portanto os jovens iam caminhos afora e continuavam seguindo em busca desorientada, por mais sábios que haja. Essa busca nos é útil, embora possa conduzir ao mesmo, porém um novo mesmo idêntico a outro mesmo. O espelho tem vida própria, não vos surpreenda o aparente paradoxo de mais do que um mesmo que, talvez, apenas se possa chamar idêntico. 
Tentando um salto no abismo sem tropeçar, avisto agora o sublime neoclássico hippie Método de caligrafia para a mão esquerda (António Cabrita). Manteve a transparência, o sentido do ritmo fiel ao ouvido interno, como ao fluxo de perceções e de pensamentos que as examinam. Por isso relata com realismo autêntico (não-escolar) o envelhecimento. Mas, é claro, fica a mesma pergunta que talvez Horácio repetisse ignorando a ausência de resposta: pode um jovem ser velho? Apreciar o que só pela experiência as pessoas conseguem resumir e relatar com beleza?
Não sei. Arlindo Barbeitos, um descendente da casa grande em Angola, envelheceu também, com fiapos de sonho. Enfraqueceu a tensão do verso e das línguas mantendo o ritmo interno, o sopro já pausado mas ainda o seu, ou mais o seu, depurado. Mas o vigor da impressão que nos fica lendo a sua idade já mal se notava - a qualidade não diminuiu, a capacidade de nos transmitir um ambiente psicológico também não - pelo contrário, a oficina melhorou mais ainda. Porquê? Graças à extinção do excesso, à moderação da juventude que se extinguiu no corpo, nos pulmões, na moldura cinza dos olhos um tanto cansados e arredondados - embora afinando a lança pertinaz da perspicácia na pupila negra. O que nos fica?

Dito isto, como escrever quando o corpo começa a aprendizagem da pausa na respiração? A ver a morte aproximar, a grande pausa interestelar. O que fica? 
Não sei. Não faz sentido iludir a idade, num jovem, numa jovem, pintar os cabelos acrescenta a graça, a maturidade porém não se pinta, assume-se tão real quanto a juventude. No entanto, com todos os cabelos brancos penso que não serei velho, em algum ponto irradiante não serei, somos uma estrela, intimamente o que vive em nós é a explosão da estrela que se extingue no resplendor extremo que nos avassala deitando sobre a terra o peso inamovível dos ossos. Há, por tanto, um ponto de luz até à rebentação final, ao big-bang repetido em nós a cada morte ou renascimento. Essa estrela não nos larga. É o menino ou a menina que nos habita e alimenta e se depura nos aniversários diários das pálpebras e das memórias.
Fica o princípio no fim. Começamos a conhecer pelo contraste e complemento entre sombras e luzes. Abrir ainda os olhos, avivar a pupila, ver com a luz, escutar a noite, como um pirilampo, um vaga-lume que espera já o instante certo para emitir a rápida chama e vai. 
Talvez isso. Experimento. Nas mais variadas línguas.


 

22/11/2023

Também, às vezes, há dias que são dois


e o pensamento é contrapolar. As dualidades não nos revelam, mas o caminho único está sempre assistido, ladeado e alimentado pelas variações: o que se desnuda recebe e, nessa medida, religa.



 

20/11/2023

Momentos de Artes Antigas - 2

 


Sessão de Poesia
Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo
Autor prestigiado: Francisco Soares
Data: 19.11.2023, 15:30h

Francisco Soares, místico, poeta, investigador, professor, grande conhecedor da língua e da literatura portuguesa, tem, como foi referido no texto que abriu a terceira parte da sessão,"a simplicidade dos grandes". Foi no dia 19 de Novembro, a sessão de poesia dedicada aos poetas da transição, dividida em 3 partes. O destaque foi para "Évora sobre seus mudos", intercalando imagens de Humberto Silveira Fernandes, modernista desconhecido de Borba, com retratos de figuras que ficam geralmente mudas e por baixo das estátuas grandes. Foram igualmente contemplados autores alentejanos da viragem do século XIX para o XX, numa apresentação de textos e imagens de postais antigos de Évora e do Alentejo, numa recolha fruto da colaboração entre o poeta homenageado e o Dr. Rui Arimateia. Na terceira parte, amigos convidados procederam à leitura de poemas do seu novo livro, "As Trevas e os Dyas" que inclui "Sonetos Místicos" e poemas antigos da década de 80. Muito bonito e edificante. Muito justa a homenagem.

Francisco a fazer jus, novamente, ao atributo mencionado acima, numa tarde de grande riqueza e valor que encheu de orgulho o solo Alentejano.


Fátima Remédios, Évora, 20.11.2023.

19/11/2023

Lugares de Arte Antiga


"Foi local de tais diálogos e tais encontros, de tais afinidades electivas do nosso algo diverso caminho de vida e do nosso destino empós, de tais e tamanhas descobertas e deslumbramentos, como se foram naus da alma confluentes num mistério de superior desígnio, mas tão húmil e silente nos seus eflúvios criadores, que — creio poder falar pelos três — selaram ali, nos jardins do Museu de Arte Antiga, inexpresso embora, mas de todos os três sumamente apercebido e aceite, um como juramento de fidelidade à arte que entrecruza e borda a palavra e o silêncio que a origina, e a consente a mais distinta e a mais bela."

(Luiz Reys)