Publicação em destaque
Átomos estéticos são também cognitivos
“Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...
31/08/2009
pedro monteiro cardoso
Escritor, jornalista e político de Cabo Verde, Pedro Monteiro Cardoso é mal conhecido ainda fora do seu país.
Pertenceu a uma geração importante mas futilmente denegrida por revolucionários apressados. Hoje, felizmente, vem sendo recuperada. Não foi só a geração do mito das Hespérides (as ilhas imaginadas pelos gregos, que a geração dizia serem as do seu arquipélago). Veja-se o caso deste autor: para além de bom poeta - dentro dos parâmetros que seguia, formalmente conservadores - e bom cronista, foi político ativo em defesa da africanidade (assinava as suas crónicas com o pseudónimo "Afro"), da caboverdianidade, dos nativos das ilhas. Foi socialista e comunista. Fundou, com João Lopes, o jornal socialista Cabo Verde em S. Vicente (1920-1921), talvez o primeiro dessa orientação ideológica nas ex-colónias portuguesas. Fundou sozinho o jornal O manduco (1923-1924) no Fogo, sua terra natal. Escreveu em jornais cabo-verdianos e portugueses. Publicou uma bibliografia numerosa e variada, indo dos escritos etnográficos aos poéticos, aos cívicos, indo linguisticamente do português ao crioulo. Faleceu em 1942, na Praia, tendo nascido em 1883 (já li 1890, mas parece pouco fiável a fonte).
Vão ser editadas agora em Cabo Verde as suas crónicas políticas e cívicas, publicadas em A voz de Cabo Verde a partir de 1911.
Chegará também o tempo em que teremos aqui, recolhidas e editadas, as melhores crónicas de José de Fontes Pereira, as melhores sátiras jornalísticas de Pedro Félix Machado e outras peças que marcaram as últimas décadas do século XIX em Angola, um primeiro período de ouro do jornalismo nacional.
30/08/2009
aniversários
Agosto é um mês forte em aniversários significativos de escritores, intelectuais e políticos angolanos. Entre outros, alinho os de que me lembro agora:
3 de Agosto: Jonas Malheiro Savimbi (Munhango, 1934) e David Mestre (Luís Filipe Guimarães da Mota Veiga, Loures, 1948)
10 de Agosto: António Gonçalves (1960)
17 de Agosto: Óscar Bento Ribas (Luanda, 1909)
21 de Agosto: Mário Pinto de Andrade (Golungo Alto, 1928)
25 de Agosto: Paulo de Carvalho (Luanda, 1960)
28 de Agosto: José Eduardo dos Santos (Luanda, 1942)
29 de Agosto: Uanhenga Xitu (Calomboloca, 1924) e José Carlos Venâncio (Luanda, 1954)
Sei que há mais, mas não me recordo neste momento nem a 'net' se recorda, pelo que pude ver.
29/08/2009
28/08/2009
cláudio daniel cronópios
Um poeta brasileiro cada vez mais a levar em conta. Leiam em cronópios o poema «Letra negra», de que transcrevo a parte
VI
floresta de enganos, se me esmagam,
furiosos, com simulações,
é tua face que me escapa à pele;
se atravesso veredas infernais,
desalentado, paisagem de fraturas,
é apenas para encontrar-te,
tua imagem reversa é o meu labirinto.
27/08/2009
26/08/2009
24/08/2009
luanda cultural
Luanda está, culturalmente, cada vez mais agitada. É um crescendum contínuo mas que tem, nos últimos anos, aumentado também qualitativamente. Claro que há muitas iniciativas insignificantes, outras até mesmo ridículas, o que é normal, onde há muita coisa também há muita tralha. Mas surgem cada vez mais iniciativas interessantes.
A Feira do Livro e do Disco, que não teve hoje a sua 1.ª edição, é uma delas - ainda que se tenham notado (não sei porquê) as faltas de editoras ou livrarias como a Chá de Caxinde, a Lello, a Mensagem e outras que não recordo de momento. Os alfarrabistas tinham livros que fazem falta (e outros que não, claro), mas a preços exorbitantes. Um exemplo: a Formação da literatura angolana, do M. António, a 7500 Kwanzas (um exemplar, aliás, maltratado). Se, como sugeriu a governadora de Luanda numa intervenção apropriada e agradável, espalharem pelas periferias urbanas atividades destas (com livros a preços mais próximos do bolso dos consumidores do subúrbio), sem dúvida será um grande passo no sentido da requalificação dos angolanos.
Iniciativa de grande peso será, sem dúvida, a de criar a Fundação Uanhenga Xitu que, pelo perfil público do escritor e conforme os fundos de que disfrute, pode intervir em campos tão diversos quanto os da sociologia, antropologia, saúde, literatura, cultura... Para já, as palestras pelo seu aniversário, na próxima 4.ª F.ª, parecem-me um bom indício, reunindo um bom leque de colaboradores (naturalmente, nem todos iguais...).
É pena que, nas províncias, muito raramente tenhamos algo parecido. Mas a culpa é também nossa.
cronologia literária angolana
Umas das conferências mais sérias do Encontro internacional sobre Óscar Ribas foi a do Prof. António Costa. Ele é hoje mais conhecido em Angola pelo seu trabalho ensaístico, docente e jornalístico no âmbito da linguística. Mas eu conheço-lhe, felizmente, essa veia crítica desde que, no início dos anos 90, trocámos em Braga algumas impressões sobre literatura angolana e, em particular, sobre Castro Soromenho.
Propõe António Costa na sua conferência "três segmentos historiográficos" englobantes do percurso diacrónico da nossa literatura:
1 - desde o início da formação de uma literatura em Angola até à geração da Mensagem;
2 - desde a geração da Mensagem até aos anos 80;
3 - dos anos 80 em diante.
Há muito que penso assim mas não tinha nunca formulado, com tal clareza, o meu pensamento. Podem chover críticas, por exemplo dizendo que há um período muito longo e, depois, dois muito curtos. Mas a História não é simétrica. Para além disso, o último período não sabemos quanto vai durar, portanto não sabemos se é curto. O do meio é incontornável: é nele que o escritor e o seu público pensam conscientemente na mudança de paradigma estético e, sobretudo, político. É nesse momento que a angolanidade da literatura se torna uma exigência e a sua construção obrigatória. Após esse momento, breve, de fixação identitária começam os nossos escritores a deslocar-se para fora do circuito estreito do neo-realismo e, com isso, a superar os paradigmas estéticos da Mensagem. Mas só a partir dos anos 80 (A. Costa exemplifica com a publicação de Mayombe, uma obra de charneira sem dúvida, mas há várias outras, de autores revelados nos anos 60 - finais, sobretudo - e 70), só a partir dos anos 80 a literatura angolana fica livre dos paradigmas estéticos da Mensagem. Não se sustentem equívocos: fica livre; deixa de sentir-se obrigada a segui-los (é tão livre de segui-los quanto de não o fazer e geralmente não o faz). A partir daí é de facto outra a nossa história literária: a da disseminação e dispersão, da deriva em busca de novos rumos, encontrando-os, explorando-os, apropriando e transformando localmente novos paradigmas e novos conhecimentos técnicos.
Com essa cronografia António Costa vem a situar perfeitamente a obra de Óscar Ribas dentro do que foram os seus paradigmas estéticos e culturais, do seu tempo e do seu lugar. Outras comunicações completaram o quadro, por exemplo referindo a cultura científica e a ligação entre etnografia e positivismo (para além da ligação com o romantismo de que muito bem fala A. Costa). Mas acho que esta se torna, a par de outras sem dúvida, uma referência básica para os estudantes de literatura angolana. Que somos todos.
23/08/2009
22/08/2009
cópia de informação da pide sobre viriato da cruz e o mpla
a criação do mpla
Um dos grandes atrativos do MPLA é o de não se saber ao certo, nem o que é, nem o que vai ser, nem sequer quando foi criado. Mas tornou-se consensual, por investigações e testemunhos e confissões, que não foi criado em 1956. Um Prémio nacional de cultura e artes relativamente recente, Edmundo Rocha, confirmou-o e tinha vivido os acontecimentos o suficiente e investigado o suficiente para afirmar isso. Corrigiu alguns exageros ou alguma precipitação de Carlos Pacheco, o primeiro a investigar frontalmente o grande mito da criação do MPLA em 1956. Lembro-me de há uns anos, finais dos 9o talvez, ouvir Beli Belô a confessar publicamente, no Museu República e Resistência, em Lisboa, que o MPLA não tinha sido criado em 1956. Viriato fez nesse ano um manifesto que foi servindo várias iniciativas de nacionalistas urbanos (sobretudo luandenses) e veio a ser a base do manifesto do MPLA. O Dr. Edmundo Rocha coordenou, com um insignificante apoio da minha parte, um livro sobre Viriato da Cruz, distribuído em Luanda pela Chá de Caxinde, em que justamente comprova tudo, em que republica cópia integral do manifesto de 1956, que eu vi com os meus olhos. Está lá no livro e em momento algum se fala no MPLA, usa-se sim uma frase, na qual se diz que é necessário um amplo movimento popular para a libertação de Angola, ou algo muito parecido. Como o Manifesto de 56 foi o guia de toda essa geração nacionalista urbana e acabou sendo o guia do próprio MPLA durante muitos anos (ainda podia ser hoje...), acabaram aproveitando a frase, que exprimia as ânsias dos nacionalistas de esquerda, para criar a sigla - o que acho muito provável. E, precisando de uma sigla para se fazerem representar, frente à UPA/FNLA, Mário Pinto de Andrade e seus amigos criaram o MPLA e começaram a assinar comunicados em nome do 'amplo movimento' - na altura constituído por um grupo restrito.
No entanto, em Angola, Rosa Cruz e Silva chefiou uma equipa que (re)escreveu a estória do MPLA, oficial. Ficou muito bonita graficamente. Em Benguela distribuíram-na como quem desse um presente raro. Raro e valioso. Foi dado a pessoas distintas no poder e no partido. Todos se orgulhavam de a ter em casa e, de forma geral, a não lêem. Fazem bem, porque está cheia de imprecisões, lacunas ou mesmo mentiras. Apesar de todos estes dados e de não haver grande prejuízo em assumir a verdade, a formosa historiadora fez com que se mantivesse uma antiga 'verdade' oficial, a da criação do Partido em 1956 - coisa em que já ninguém acredita. Na 6.ª F.ª passada foi à homenagem a Mário Pinto de Andrade feita na Universidade Lusíada de Angola. E reafirmou tudo apesar das evidências em contrário. O público (maioritariamente estudantil) ficou estupefacto, percebendo que não podia confiar na sua ministra. Eu confesso que não me admirei muito.
21/08/2009
Sofismas neo-nativistas
Por exemplo: não há culturas mestiças porque não há culturas puras. Mas só quem fala em culturas e raças puras são os neonativistas. Porque é que intelectuais como Luís Kandjimbo afirmam repetidamente que é preciso expurgar a cultura angolana da lama da crioulidade? Porque é que defendem a limpeza cultural e étnica da literatura angolana? Resposta ao sofisma: dificilmente haverá culturas puras, logo só há culturas que se misturam e remisturam indefinidamente no tempo e no espaço.
Confundem os neonativistas haver culturas puras com haver culturas com perfil próprio ainda que mutante. Se há culturas com perfil próprio, sempre que alguém junta coisas de duas (ou mais) cria um novo perfil, eventualmente uma nova cultura, que só pode ser definida como híbrida, misturada, portanto mestiça. Quando o seu perfil estiver definido ela se misturará com outras naturalmente. O mesmo para as raças. Luís Kandjimbo, que pretende reduzir a produção cultural angolana à fixação de uma matriz banto (que ele próprio nunca definiu), e que fala sempre na cultura e nas culturas negras, diz agora que não há raças (eu concordo), mas para negar que haja mestiços, porque todos somos mestiços. Nesse caso, que sentido faz falar de 'negros'? Se 'negros' é uma construção social errada, sem base científica, faz sentido desfazê-la e denunciá-la em vez de a manipularmos também.
Sem dúvida que, se não todos, pelo menos a maioria esmagadora integrou misturas biológicas e culturais (alguns poucos povos se isolaram durante séculos, isso foi 'depurando a raça'?). Mas, como para as culturas, assim também para definições de cariz físico e biológico há perfis, semelhanças de família como diria Wittgenstein. Sem dúvida que não são eternos mas, enquanto duram, ajudam-nos a identificar origens diversas entradas numa nova totalidade. E, quando alguém nasce de pessoas com origens diferentes (caso extremo e hoje comum: de continentes diferentes), diz-se por isso que tal pessoa é mestiça.
Afirmam alguns neonativistas que só se deve levar em conta as culturas africanas 'autóctones', 'negras', enfim puras, porque foi nelas que nasceu e se deu claramente a luta contra o colonialismo, enquanto nas zonas crioulas, ou entre os que se não assumiram como 'negros', 'tradicionais', enfim bantos, houve sempre ambiguidades. É mentira: basta ver quantos não-bantos, ou mestiços de bantos e não-bantos, decididamente lutaram contra o colonialismo português em Angola. Inseridos nos conjuntos percentuais das respetivas populações, a participação desses angolanos na luta de libertação não os desonra de maneira nenhuma. Basta lembrar a tais neonativistas que o cónego Manuel das Neves era um exemplo típico de crioulo, do que nós (eu, José Carlos Venâncio, M. António) cada um à sua maneira definimos como crioulo. Resposta ao sofisma: quem lutou pela independência foi porque se tornou angolano, se sentiu e se identificou como angolano. A partir desse momento aceitou participar de uma nova totalidade que superava as definições (os perfis) anteriores. Por esse motivo encontramos, na luta de libertação, filhos de bantos e de não-bantos misturados e juntos. Todos formam hoje a nação angolana. Há mais equívocos mas estou farto de perder tempo com os equívocos neonativistas.
Afirmam alguns neonativistas que só se deve levar em conta as culturas africanas 'autóctones', 'negras', enfim puras, porque foi nelas que nasceu e se deu claramente a luta contra o colonialismo, enquanto nas zonas crioulas, ou entre os que se não assumiram como 'negros', 'tradicionais', enfim bantos, houve sempre ambiguidades. É mentira: basta ver quantos não-bantos, ou mestiços de bantos e não-bantos, decididamente lutaram contra o colonialismo português em Angola. Inseridos nos conjuntos percentuais das respetivas populações, a participação desses angolanos na luta de libertação não os desonra de maneira nenhuma. Basta lembrar a tais neonativistas que o cónego Manuel das Neves era um exemplo típico de crioulo, do que nós (eu, José Carlos Venâncio, M. António) cada um à sua maneira definimos como crioulo. Resposta ao sofisma: quem lutou pela independência foi porque se tornou angolano, se sentiu e se identificou como angolano. A partir desse momento aceitou participar de uma nova totalidade que superava as definições (os perfis) anteriores. Por esse motivo encontramos, na luta de libertação, filhos de bantos e de não-bantos misturados e juntos. Todos formam hoje a nação angolana. Há mais equívocos mas estou farto de perder tempo com os equívocos neonativistas.
Ciao.
luandino vieira e a dignidade
A seguir às lamentáveis cenas que vão ler abaixo, Luandino Vieira falou, na mesa dos escritores da Conferência Internacion sobre Óscar Ribas e começou dizendo que queria lembrar ali o maior poeta lírico angolano e um dos seus maiores ensaístas, Mário António (Fernandes de Oliveira). Declamou parte de um poema de M. António, «Canto de farra» ("Quando li Jubiabá / me cri António Balduíno / meu primo que nunca o leu / ficou Zeca Camarão"...).
Disse mais: que redescobriu a sua angolanidade e compreendeu-se a si próprio desde a sua infância com Óscar Ribas. Que o seu conto «A galinha e o ovo» o deve às leituras das obras de Óscar Ribas (ele disse qual, concretamente, eu agora é que não me lembro). Que frases, palavras, expressões que lia em Óscar Ribas lhe tinham inspirado inúmeras páginas.
Luandino Vieira, com a autoridade que foi conquistando ao longo dos anos enquanto escritor e angolano, tomou assim a atitude mais digna da Conferência Internacional sobre Óscar Ribas.
Daqui o saúdo, com respeito.
vice-ministro vaiado
As mesas de literatura, na Conferência Internacional sobre Óscar Ribas, foram, para mim, as melhores no seu conjunto. Até o Pires Laranjeira gostei de ouvir falar, colocando com exatidão Óscar Ribas enquanto autor (e obra) intermédio que pode ser puxado pelo discurso nacionalista, pelo nativista, pelo colonial, etc., mas que é mesmo intermédio. O tom geral das comunicações nessas mesas foi no mesmo sentido, de resto evidente e assumido pelo próprio Óscar Ribas. É, portanto, de estranhar que Luís Kandjimbo, Virgílio Coelho e Jorge Macedo tenham atacado violentamente a comunicação de Abreu Paxe que, partindo do conceito de fronteira de Lotman, disse exatamente o mesmo que Pires Laranjeira e os outros, eu próprio incluído. Disse mais que isso não era de estranhar porque o autor era um mestiço cultural e biológico, lembrando que ele se definia também assim - o que de resto já tinha sido lembrado pelo testemunho, vital, de um dos seus informantes. E que, se ele era o exemplo da angolanidade, a angolanidade era um conceito de fronteira. Um crime, não haja dúvidas...
Perante o 'crime', quiseram obrigar o ensaísta, poeta e professor universitário a modificar a sua comunicação com a ameaça velada de não a publicarem caso não a mudasse. E tudo isso porquê? Porque o vice-ministro Luís Kandjimbo entendia (e bem) que as conclusões de Paxe são parecidas com as de M. António (que Abreu Paxe confessou nunca ter lido e eu sei que é verdade). Luís Kandjimbo disse que M. António tinha trazido muitos equívocos à cultura angolana, equivocos graves, perigosos, etc., e que ele próprio (M. António) nos últimos anos da sua vida se terá afastado das suas teorias sobre as ilhas crioulas angolanas - o que é uma completa mentira, que só podia ser dita por alguém que não sabe (ou pensa que os outros não sabem) como foram os últimos anos de vida de M. António. Baseado nessas falaciosas argumentações (na verdade, o único equívoco está na cabeça do Luís Kandjimbo, que parece não se livrar do fantasma do M. António), baseado nessas falaciosas argumentações, repito, Kandjimbo recomendou vivamente a Abreu Paxe a mudança no texto da sua comunicação antes da publicação, com uma ameaça não muito velada, pois ele não se devia esquecer que as comunicações eram para publicar... Ato contínuo Virgílio Coelho, a 'moderar' a mesa, intimou Abreu Paxe a assumir ali que mudaria a comunicação.
Foi nesse ponto que a assembleia ali reunida, com especialistas, académicos, escritores (poucos), estudantes, reagiu vaiando ambos, chegando vozes a falar em "censura", "violência" e a dizer, repetidamente, "isso não". Uma vergonha que devia levar o vice-ministro a demitir-se ou pedir, pelo menos, desculpas.
Ao invés disso a ministra toma em seguida a palavra. Disse que falava como historiadora, o que só naquele momento disse. E disse que não foi a conferência de Berlim que definiu as fronteiras angolanas. Que grande historiadora, não haja dúvidas... Pensava talvez nas mudanças, pouco significativas, que vieram depois (o saliente de Cazombo, por exemplo). Abreu Paxe podia tê-la desmentido imediatamente, mas preferiu reagir com elegância e com prudência. A sessão encerrou-se. O que se fez no intervalo? Abertamente Luís Kandjimbo e Jorge Macedo foram ter com Abreu Paxe, não para se explicarem, mas para o ameaçarem, dizendo que ele devia mudar de ideias e de companhias porque andava mal acompanhado...
Isto não é comportamento para um membro do governo. Luís Kandjimbo, no entanto, perdeu a máscara. Agora todos temos a obrigação de nos precavermos contra este ministério: quando foi o festival de cinema a ministra defendeu a censura a um filme; no Encontro sobre Óscar Ribas o vice-ministro tenta obrigar um conferencista a mudar o texto da sua comunicação. Não é só lamentável. É inadmissível.
óscar ribas II
A primeira parte do colóquio sobre Óscar Ribas, comemorativo do centenário, foi preenchida com comunicações de linguistas, etnógrafos e antropólogos. Devo confessar que me pareceu de qualidade muito variável. É de destacar, por exemplo, a conferência da Prof.ª Amélia Mingas, pela positiva - mas havia mais interessantes, cujos autores não recordo agora. Pela negativa, algumas também. Destaco a de Américo Kwononoka. Lamentável, precipitada, cheia de veleidades e muito pouco humilde. No meio, para coroar as asneiras e leviandades, diz animadamente, partindo de Malinowski e da sua defesa da intimidade com o objeto estudado, diz animada e perentoriamente que, para se conhecer a cultura de um povo, é preciso trazê-la no corpo, e para tê-la no corpo é preciso tê-la no sangue, por herança genética. Portanto, não sei como o Dr. Kwononoka pode falar da cultura científica europeia, por exemplo, ou como o próprio Malinowski podia ter estudado povos cujo sangue não corria nas suas veias. Sentado no trono de vice-ministro, Luís Kandjimbo extasiava-se com um brilho evidente nos olhos... Que bela fotografia!
óscar ribas I
Óscar Ribas foi sem dúvida uma figura central da cena cultural e literária angolana. Para que volte a ser, a sua obra e a sua figura humana foram lembradas em Luanda, numa iniciativa do Ministério da Cultura, que vinha já do Ministério anterior, onde a proposta foi levada pelo antigo vice-ministro Virgílio Coelho. Aparentemente, a iniciativa era de louvar, tanto mais que, ao mesmo tempo, se republicaram quase todas as obras do Autor. Faltam pelo menos dois títulos mas o Ministério assegura que sairão em breve. Isso realmente é de louvar, embora não seja uma edição crítica e, dado que Óscar Ribas mudava as obras de uma para outras edições, deixando ainda por cima inéditos e acrescentos inéditos, a edição crítica era imprescindível. Ainda assim, valeu a pena.
19/08/2009
16/08/2009
15/08/2009
13/08/2009
antónio pompílio na fronteira
Por vicissitudes várias fui-me apercebendo, desde o início, da existência deste poeta, nascido em 1964. Confesso que, desde o início também, os livros dele me pareceram precipitados. São casos em que os nomes vão ficando em suspenso até melhores novidades. Creio que desta vez isso aconteceu: melhores novidades.
António Pompílio pubicou mais uma coletânea de poemas, Fronteira: a passagem do limite (Luanda, UEA, 2008). O próprio título define o sentido com que o poeta fala em fronteira: não como bloqueio mas como lugar que marca o instante em que vamos para além (de nós, da memória). O prefácio parece-me oportuno, chamando Glissant para a interpretação da obra e compreendendo que a poesia é isso mesmo: a superação dos limites - através da beleza, claro.
A coletânea constitui uma boa surpresa, com um ritmo entre prosa e verso, uso de alguns tímidos mas oportunos grafismos, imagens apropriadas a um texto em aberto mas coeso. De quando em quando, ainda aparecem gorduras, excrescências, palavras e figuras que não se percebe o que fazem ali, poeticamente não se justificam. Alguma imagem pode parecer desajeitada. Mas há um conjunto de bons poemas. O autor parece ter entrado numa fase propriamente poética. É de saudar. Que seja bem vindo e continue na mesma senda. Para o leito do leitor não ficar a seco exposto à aridez desta prosa, copio uma das composições:
Peugada
O calção roto sorriu das rotas das pernas sem pés, com os calos das botas pequenas: um par só à chuva, no triste frio da estrada sem olhos.
Kandando, Pompílio.
10/08/2009
09/08/2009
08/08/2009
05/08/2009
burkina faso
A 5 de Agosto de 1960 o Burkina Faso ascendeu à independência.
Antigo Alto Volta, foi a pátria de Joseph Ki-Zerbo, uma referência inconfundível da historiografia africana, que aí nasceu, em Toma, no ano longínquo já de 1922.
A 4 de Agosto de 1983 Thomas Sankara assumiu a presidência do Alto Volta. No ano seguinte mudou os nomes de várias localidades e do próprio país, que a partir de então se chama Burkina Faso, "a terra dos homens incorruptíveis".
Feliz aniversário, juventude burkinabe.
04/08/2009
03/08/2009
começam
Começam a morrer os que amamos.
Percebemos que não somos eternos.
Coragem, homem, é apenas a morte.
abreu paxe etimologia kikongo de kumbu
Zimbo é uma palavra comum já no português de Angola há muito tempo. Alguns intelectuais da vacuidade esticam-se nos bicos dos pés e dizem: nzimbu era a moeda no reino do Kongo, com 'k' (parece que o próprio Ntinu já escrevia com 'k' antes dos portugueses chegarem ao Soyo).
O aparecimento de uma TV Zimbo, ao que dizem ainda não legalizada mas um canal que disputa o espaço da TPA com sucesso, trouxe de novo a palavra nzimbu para o intenso domínio público.
Conversando com o poeta Abreu Paxe sobre etimologias, ele me confirmou suspeitas antigas. Zimbo é um plural de raíz mbu. Mbu significa mar. Daí vem a palavra, que se pensa calão, kumbu. Zimbo era o dinheiro no reino do Congo quando lá chegaram os portugueses. Isso toda a gente sabe. Também que as ditas eram conchas vindas da ilha de Luanda. Por virem de uma ilha, denominaram-se com base na raiz que indica "mar". É daí que vem kumbu, que etimologicamente significa "do mar" - nesse aspeto sendo mais preciso o termo do que zimbo. Kumbu só pode, portanto, nomear o dinheiro porque antes zimbo era a moeda no reino do Kongo e se construiu sobre mbu, mar.
Um mar de dinheiro para todos são os meus votos. Entretanto, vou querer saber se kimbu (que designa geralmente aldeia) tem a mesma origem de zimbo.
02/08/2009
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