Nada como um estruturalista para se lhe arrancar uma confissão sobre criatividade. Arriscaria dizer que, em termos lévi-straussianos, a criatividade estalaria pelo menos de dois modos: um modo em 'hiato interno', a subtil desregulação que vai entre estrutura e superfície narrativa, entre funções relacionais e seu preenchimento colorido pelos frutos e pelos bichos da criação; ao que ele chamava música. E um hiato externo: como resolver a agonia do mundo, como unir no mesmo tabuleiro a morte e a vida, esses dois tabuleiros? Se os mitos vêm do fundo da própria estrutura binária do real (o mito funciona assim porque o cérebro funciona assim, porque o universo funciona assim), então, o caso é grave. O mito será a mais extrema criatividade, não por lidar - a ensaiar solucioná-lo mediante uma lógica heróica e total - com o mais difícil dos problemas, mas por o deixar insolúvel, e surdamente inquietador, no quadro da solução, como a silhueta negra do cão picassiano que assombra as cores esfusiantes dos seus 'Três músicos' (da funérea commedia dell'arte).
Comentário de José Manuel Martins
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