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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

08/11/2009

joão melo parabéns

João Melo ganhou o prémio nacional de cultura e artes na categoria de literatura. Creio que o prémio se justifica pelo conjunto da sua obra, pela intervenção pública (ainda recentemente, por exemplo, defendeu um tratamento jornalístico mais equitativo), não só pela literatura. É, de qualquer modo, um dos nossos melhores cronistas e um poeta que atinge a excelência na lírica amorosa, sensual, forte, convivial. Daqui os modestos mas soantes parabéns. Como também a Carlos Burity, outro premiado cujo trabalho conheço bem, o intérprete de Ginginda, Carolina, Massemba e outras músicas que desde há muitos anos aprecio. Quanto a Carlos Serrano, que há muitos anos conheci também, na contingência dos congressos e encontros científicos, ainda não li o seu trabalho, que julgo ser fruto de anos de investigação.

05/11/2009

pedra redonda

portanto,

espiral descendente com luz ao fundo

claude lévi-strauss sobre criatividade

Nada como um estruturalista para se lhe arrancar uma confissão sobre criatividade. Arriscaria dizer que, em termos lévi-straussianos, a criatividade estalaria pelo menos de dois modos: um modo em 'hiato interno', a subtil desregulação que vai entre estrutura e superfície narrativa, entre funções relacionais e seu preenchimento colorido pelos frutos e pelos bichos da criação; ao que ele chamava música. E um hiato externo: como resolver a agonia do mundo, como unir no mesmo tabuleiro a morte e a vida, esses dois tabuleiros? Se os mitos vêm do fundo da própria estrutura binária do real (o mito funciona assim porque o cérebro funciona assim, porque o universo funciona assim), então, o caso é grave. O mito será a mais extrema criatividade, não por lidar - a ensaiar solucioná-lo mediante uma lógica heróica e total - com o mais difícil dos problemas, mas por o deixar insolúvel, e surdamente inquietador, no quadro da solução, como a silhueta negra do cão picassiano que assombra as cores esfusiantes dos seus 'Três músicos' (da funérea commedia dell'arte). Comentário de José Manuel Martins

claude lévi-strauss josé manuel martins

Há pessoas que, pela maneira de estarem connosco e pelo tempo em que estão, deixam sempre um vazio, mais concretamente: um buraco, o da sua falta. O passamento de Claude Lévi-Strauss, porém, não foi só isso. Pedi a José Manuel Martins, professor de Filosofia na Universidade de Évora, autorização para transcrever as suas palavras acerca disso: "Lévi-Strauss estuda-se ao mesmo tempo como uma figura intemporal da Plêiade, como um pensador contemporâneo pertencente à época exactamente antes da nossa - e como uma figura e um nome históricos que inacreditavelmente ainda está vivo, e intelectualmente activo. Quando um homem assim morre, um homem que sobrevivia a si próprio teimosamente, e um homem cujo pensamento é como que uma espécie de amabilidade da palavra e do sentido devotada aos homens, à natureza, aos seres, a cada coisa (ele, o suposto estruturalista abstracto, mas que dizia: "un peu de structuralisme éloigne de la réalité, mais beaucoup y ramène"), o que se sente - o que eu sinto - é a perda de um pensamento amigo, de um pensador amigo, de uma presença viva e amical que ainda nos tutelava, sage, na sua grande idade, velando por um pensamento incrivelmente clássico e equilibrado que com ele, dos últimos, se nos perdia. Acompanhou alguns anos de curso da licenciatura de filosofia, simultaneamente como um autor no tempo e fora dele: plenamente estruturalista. Às vezes passo, em Cascais e em Lisboa, pelas casas que Eliade habitou. Nunca perdi a esperança de um dia fazer estruturalismo entre as obras divorciadas de um e de outro, duas escolas e duas europas que não se falavam, à semelhança dos índios da Colúmbia Britânica e da linhagem de Édipo e Laios, que só se encontram uns com os outros no célebre baralho de cartas com que a velha raposa jogava aos mitemas sem sair de Paris.

02/11/2009

releituras: dois aa e o sentido da poesia

Ao passar na velha livraria Lello de Benguela - que não é grande livraria, funciona mais como papelaria - comprei livros para reler, pois os exemplares que tenho estão neste momento longe. Dois deles me fizeram revisitar o que de melhor, ou menos pior, os autores empenhados dos anos 60 e 70 puderam fazer dentro dessa linha de engajamento da literatura. O primeiro, que vai sem dúvida muito para além disso (da literatura engajada), é O rio: estórias de regresso, de Arlindo Barbeitos. Pequenas estórias, de gente comum, que podíamos ter visto no quotidiano logo anterior e logo posterior à independência, que traçam no conjunto um quadro humano, antropológico e psicológico muito profundo, que era o da Angola de então. E que, só por si, teriam levado leitores apressados e preconceituosos a compreender melhor o seu próprio país e as estórias de que ele se foi fazendo. O segundo livro chama-se Poemas no tempo, de Arnaldo Santos. A secção com esse nome, dentro da obra, é a que mais reúne (principalmente no fim) poemas militantes. Não foi esse o momento melhor da poesia de Arnaldo Santos (como pela própria antologia se pode ver) mas, ainda assim, dá para perceber que um bom poeta não deixa de o ser por mais que seja má a escola literária que o condicione. Poderá deixar de produzir obras primas, mais profundas ou mais subtis, mas não deixa de ter o sentido da poesia. E o que, sobretudo, faltou naqueles anos do panfletarismo foi, precisamente, o sentido da poesia. Naqueles anos de panfletarismo em que se fazia fogo de artifício com palavras de ordem banalizadas, tal como hoje alguns poetas confundem lírica e verso com pirotecnia bizarra que, por uma via oposta, já não tem nada para dizer, esteticamente fal(h)ando. Isto leva-me ao corolário da conclusão anterior: um mau poeta, seja qual seja a sua escola literária, terá sempre a capacidade de estragá-la, de não a perceber, de a imitar sem o sentido da poesia.

pedra do sapato