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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

06/09/2008

dois dias para uma nova constituição

Tinham combinado um só dia de votação, contra a vontade do MPLA. Mais uma vez, o MPLA deu a volta à situação: começa-se atrasado, noutros casos nem sequer se começa e, assim, tem que haver dois dias de votação. A desconfiança que levou à decisão por um só dia parece, pois, justificar-se. Mas o que de mais sério e desonesto houve nesta eleição (agora que já acabou podemos falar nisso à vontade), foi o facto de o partido no poder a usar com o intuito de criar uma maioria qualificada para mudar a constituição, conforme, por fim, o Presidente confessou no último comício. A desonestidade está nisto: se é para mudar a constituição, tem que se declarar abertamente isso e discutir as mudanças durante a campanha. Para que os deputados entrem no parlamento mandatados para esse efeito. Fazer uma campanha com promessas mirabolantes (que os dois principais partidos fizeram) para depois ir mudar a constituição não parece honesto. Aliás, a situação é tal ainda que bastava uma promessa: a do regresso à normalidade e à saúde pública, à água potável e canalizada para todos, a uma rede de esgotos que sirva todos e funcione mesmo, à luz elétrica para todos e assistência social e sanitária eficaz. Isto era, aliás, o programa inicial dos nacionalistas angolanos, muitos dos quais se integraram, com estes ideais, no MPLA mais tarde. O que é estranho é que o principal partido da oposição também não tenha denunciado estas coisas. Vamos vivendo mesmo assim. Ao menos, honra lhe seja feita, a polícia parece ter-se portado bem, ter cumprido bem o seu papel e com neutralidade, como lhe compete. São sinais positivos de uma outra mudança, que talvez não passe por eleições mas por uma consciencialização crescente em relação à Função Pública.

04/09/2008

boletim meteorológico

a casa velha sem margens

partido-estado reflexão do dia

Títulos do noticiário político local na primeira página do Jornal de Angola de Domingo: 1-"Grande multidão aclamou o presidente na província da palanca negra: grande celeiro nacional está a nascer em Malanje" 2-"MPLA acelera campanha: comício de multidões no Bairro do Benfica" 3-"Urnas especiais: apelos de Domingos Maluka contrariam lei eleitoral" Das 3 notícias, a única referente ao maior partido da oposição acusa um dos seus dirigentes de provocar "desacato à lei e à desorganização do processo eleitoral" por este não aconselhar o voto nas urnas especiais (elas estão previstas na lei, como diz o artigo da última página, mas a lei não diz que é obrigatório usá-las ou que alguém está proibido de aconselhar que não as usem - portanto não há crime nas declarações de Maluka, contrariamente ao que se diz na última página). Títulos do noticiário político local na segunda página do Jornal de Angola de Domingo: 1-repetição da notícia de destaque da 1.ª página (visita de Eduardo dos Santos a Malanje, onde esteve como presidente da república e liderou um comício do MPLA) 2-"novo hospital central na cidade" (de Malanje) 3-"comboio de Luanda a Malanje começa a circular no próximo ano" (faltando realidade oferece-se uma promessa como obra do governo) 4-"sobas estão solidários com o presidente do MPLA" (que é também o da nação) Repare-se que, nesta página, só há notícias a favor do MPLA, directas e indirectas. Passando à 3.ª página: 1-notícia destacada: "UNITA foi incapaz de liderar a oposição" (dito por um ex-governante indicado pela UNITA que aderiu ao MPLA). 2-repetição da notícia de capa: "comício da multidão no Benfica para uma «vitória retumbante»" (do MPLA, claro). Mais uma vez só notícias a favor do MPLA. A única referente ao maior partido da oposição é para denegri-lo. Passando à p. 4 encontramos isto: 1-"3 partidos afastados apelam ao voto no MPLA" 2-"Arcebispo de Luanda pede aos fiéis para votarem com discernimento" 3-"Dezenas de militantes da UNITA abandonaram o partido no Bié" 4-"«Eme» [MPLA] realiza grande passeata em Cacuaco" 5-"PRD realiza a primeira actividade de vulto em Luanda" Mais uma vez, a única notícia referente ao maior partido da oposição é para denegri-lo. Nenhuma referência às suas acções de campanha, comícios, comunicados, adesões à UNITA, etc. Passando à p. 5: 1-"Observadores do Parlamento pan-africano partem amanhã para os locais de votação" 2-"PNDA apoia o MPLA e pede «o voto certo»" 3-"Eleições legitimam o poder e melhoram direitos humanos" 4-repetição da notícia de capa: "Domingos Maluka desaconselha militantes a votarem nas urnas especiais" Escusado será repetir: a única notícia referente a um partido que não o do governo repete uma notícia que, no início e no fim do jornal, serve para acusar um dirigente da oposição de crime. Na p. 6, última do noticiário local: 1-"FpD convida músicos para aquecer campanha" (a notícia diz que o comício daquele partido reuniu "uma multidão de jovens ávidos de ver e dançar ao som dos músicos locais" - portanto reportam o acto como se não passasse de um 'show' musical. Note-se que é a única notícia sobre a FpD). 2-"comunicação directa aos eleitores ajuda a localizar os locais de voto" 3-"300 observadores nacionais foram já credenciados em Luanda" 4-"OMA [do MPLA] debate «o voto certo» [o voto no MPLA]" 5-"Testemunhas de Jeová são livres de votar" 6-"FNLA preparada para aceitar a derrota" - note-se que é a única notícia referente à FNLA. Hoje é dia de reflexão para o voto. Amanhã só se bebe nos quintais.

02/09/2008

std

adelino torres, tomás

(Em memória do Tomás Clemente Venâncio)

Nos cimos dos montes pensativos

que amparam no seu regaço a Covihã

brinca a alma doce e breve

do Tomás menino grande

leve como a sombra de uma pena

porque a inocência não tem peso

no despertar da luz da madrugada

que abre a porta ao destino.

Foi por isso que ele entrou no céu

como a coisa mais natural do mundo

quando os portões foram aberto por um hino

de boas vindas à inocência sem pecado

cantado pelo próprio Deus em pessoa

que queria ver o Tomás chegar,

ser que já estava perdoado

por nada haver a perdoar

a velha menina

Com Baunilha e Chocolate

É uma velha muito velha, uma velha de muitos anos.

Caminha devagar. As suas pernas são dois troncos cheios de varizes, descendo para as sandálias de borracha, que protegem os pés das pedras da calçada. Atira a perna esquerda para fora, talvez porque não sofre tanto quando o corpo grandalhão está assim, como aqueles barcos na praia, que depois da pescaria, cansados de navegar, sossegam na areia, de lado. Usa óculos; mas estes são velhos também, perderam as hastes e estão atados à cabeça por um elástico azul.

Passa sempre ao fim da tarde, quando o sol fenece na cidade e vai iluminar outras ruas, outras casas e outras gentes. Com um cuidado extremo, pára em cada cruzamento, espera o sinal verde do semáforo, avança depois até ao cruzamento seguinte.

No bairro onde vive desde miúda, todos a conhecem, todos a saúdam, todos lhe falam, mas ela não responde a ninguém. Não porque seja mal educada, porque esteja mal humorada, ou por outra razão deste género — mas porque gosta só de sorrir a toda a gente, a agradecer.

Termina a sua viagem quando chega à Gelataria. Entra e espera em frente do balcão.

O empregado conhece o pedido de cor. Ainda ela vem na porta, já ele levanta a tampa da máquina congeladora. Com um gesto profissional, leva a colher ao fundo da massa e traz daí uma bola bem cheirosa, de baunilha e chocolate.

Paga com uma nota que trouxe enrolada na mão. Dá meia volta e sai: com as mesmas cautelas de há pouco, ou maiores talvez, porque não quer perder a carga deliciosa.

Esse cuidado que põe em cada percurso, esse vício que satisfaz diariamente, esse ignorar as dores que sente com certeza, tudo isso prova como é bom viver, respirar o ar do mundo e buscar alguma coisa.

Os netos esperam-na à porta de casa. O encontro é sempre uma algazarra pegada, e quem observa a cena de longe, se não fechou já os olhos ao amor e à ternura, fica mesmo sem saber se a velha de muitos anos (que atira a perna para fora, que usa óculos atados e manqueja com dores) é ou não a criança mais criança do grupo... (Inácio Rebelo de Andrade, O Sabor Doce das Nêsperas Amargas, Lx.ª, Contra-Regra, 1997)

01/09/2008

bocage, soneto 37

Oh retrato de morte, oh noute amiga, Por cuja escuridão suspiro há tanto! Calada testemunha de meu pranto, De meus desgostos secretária antiga! Pois manda Amor, que a ti somente os diga, Dá-lhes pio agasalho no teu manto; Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto Dorme a cruel, que a delirar me obriga; E vós, oh cortezãos da escuridade, Phantasmas vagos, mochos piadores, Inimigos, como eu, da claridade, Em bandos acudi aos meus clamores; Quero a vossa medonha escuridade, Quero fartar meu coração de horrores.

vela emplumando a noite