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Instituto Camões, Portugal, novo pacote legislativo
Acaba de sair legislação portuguesa regulando as atividades, a constituição e o funcionamento, quer do Instituto Camões, quer do ensino de língua e de cultura portuguesa no estrangeiro. Para quem trabalha no ensino e na formação de professores de português é um pacote a levar em conta, naturalmente.
A nova legislação fazia falta e era esperada há muito. Para além das alíneas me parecer positiva e clarificadora, há dúvidas e discordâncias que me parecem fundamentais. Transcrevo:
Realmente há coisas interessantes que parecem mudar para melhor, por exemplo a concentração do ensino de português no estrangeiro toda no Camões, que seria plenamente melhor se se limitasse a coordenar as ações ao nível do Ensino Superior pelo menos, não privilegiando ações do Instituto mas coordenando as que a comunidade académica e docente em geral pode oferecer com garantia científica, pedagógica e técnica que dispensa duplicação de despesas do Estado português.
A passagem do pessoal do ME português para o Instituto Camões, que me parece lógica em se tratando de gente ligada ao ensino de língua e cultura portuguesas no estrangeiro) é outro aspeto positivo e importante, que dá mais coesão à atuação do Estado português.
O Conselho Estratégico é fundamental, mas não faz sentido nenhum, havendo este, manter outro, meramente consultivo e constituído quase pelas mesmas entidades.
Há duas ausências notórias. A primeira, não se fazendo referências ao Instituto Internacional de Língua Portuguesa, criação dos países lusófonos sediada em Cabo Verde, neste momento dirigida por uma linguista angolana (a Prof.ª Amélia Mingas). Parece-me um parceiro, não só desejável, que devia ser considerado incontornável no esforço para a promoção da língua portuguesa nos países lusófonos pelo menos.
Também não se fala no novo acordo ortográfico. Não concordo com a amálgama de critérios ali usada, com as incoerências já sublinhadas e não corrigidas, mas ainda assim o Acordo é um instrumento precioso na divulgação e no ensino da língua portuguesa. Talvez não viesse a propósito falar disso num Decreto, ou talvez sim, tanto mais que Portugal está num período de preparação para a aplicação plena e definitiva do mesmo.
A verdade é que cabe ao IC um papel fundamental na aplicação do novo Acordo Ortográfico e os docentes do IC, que em geral o desconhecem, à priori rejeitam a sua aplicação, o que pode gerar conflitos e confusões numa área sensível em que o Brasil, em certos países, está plenamente preparado para substituir Portugal.
Passando mais especificamente ao novo pacote legislativo:
Para variar há algumas incoerências e oscilações. Aquela entre "coordenar" ou "estruturar" ou "propor e executar" é das piores. Em meu entender o IC devia tão somente coordenar e deixar às instituições existentes e preparadas para isso (como as Universidades, as ESE's) as tarefas de propor e executar, apenas com a gestão financeira dos projetos acompanhada de perto pelo IC.
Reparem, a propósito de incoerências, no art.º 1.º do decreto republicado (Decreto -Lei n.º 119/2007): "1 — O IC, I. P., tem por missão propor e executar a política de ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, assegurar a presença de leitores de português nas universidades estrangeiras e gerir a rede de ensino de português no estrangeiro a nível básico e secundário, em coordenação com outros departamentos governamentais, em especial os Ministérios da Educação, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Cultura." 1ª pergunta: o que fazem aqui o MCTES e mesmo o da Cultura? Era necessário precisar, uma vez que não se fala em ensino superior nem em atividades culturais.
2ª pergunta: porque se fala, no art.º 3.º, no ensino superior e depois a referência desaparece? "3 — A rede do ensino português no estrangeiro integra as estruturas de coordenação, nos casos em que tal se justifique, o corpo de docentes de educação pré -escolar e dos ensinos básico, secundário e superior." - O "superior" desaparece na passagem ao artigo seguinte... Nesse mesmo artigo 3.º se escreve que é função do IC:
"Estruturar e coordenar a política de difusão e promoção da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro e promover o português como língua de comunicação internacional". Felizmente deixa de ser "propor e executar", passa a "estruturar e coordenar", mas a duplicação ou oscilação de que falo acima torna-se evidente. No mesmo artigo se diz ser competência do IC: "Estabelecer programas de apoio à criação de departamentos de português ou estruturas equivalentes em escolas e universidades estrangeiras e à contratação local de docentes" Pergunto-me: qual o papel das universidades portuguesas nessa ação de carater universitário? Estará o IC preparado para as substituir? Vai subcontratá-las? Vai torná-las num instrumento do governo? Vai silenciar as suas iniciativas? Vai menosprezar as mais valias acumuladas, sobretudo em termos de material de apoio e recursos humanos? Acumuladas, lembremo-nos, com dinheiro do Estado português.
Se nas universidades há departamentos preparados para realizar essas tarefas não é melhor apenas coordenar a ação deles em termos de gestão financeira e de recursos? Pergunto-me ainda: porque se volta aqui a falar em ensino superior e lá atrás não se incluiu o ensino superior? As mesmas duas perguntas, sobretudo a primeira, faria relativamente à alínea m): "m) Desenvolver e coordenar a actividade de formação de professores nas áreas da língua e cultura portuguesas;" Se isso implica intervenção ao nível do ensino superior e no estrangeiro, qual o papel das universidades portuguesas, que têm pessoal preparado para realizar essa tarefa? Qual o papel do IC e como irá arranjar o pessoal? Irão os leitores substituir os professores universitários que entretanto se preparam para isso? Isto não implica duplicação de custos?
Ainda: qual o papel das universidades estrangeiras? Pergunta esta que se prende com a pretensão de várias leitoras do IC de reservarem para si e o Instituto o exclusivo da criação de cursos de formação de professores de português em países lusófonos, que portanto possuem o português como língua oficial e organizaram-se já de forma a criarem esses cursos com recursos próprios, como é natural em países independentes. Acho que deviam precisar o tipo de atuação para os países lusófonos, que não pode ser o mesmo que para os outros. Para além disso deviam reportar-se aí, de forma explícita e categórica, ao Decreto -Lei n.º 165/2006, republicado e creio que modificado nesse pacote legislativo, que diz no art.º 3.º que "na organização do ensino português no estrangeiro, prevalece o princípio da sua integração nas actividades reconhecidas dos sistemas de ensino dos países estrangeiros" (já agora, aquela primeira vírgula está a mais; num Decreto-Lei é inadmissível colocar uma vírgula entre sujeito e predicado, ainda por cima num Decreto sobre o ensino do português). Também o art.º 13.º me parece perigoso, na medida em que prevê que o IC "pode criar, participar na criação ou adquirir participações sociais em entes de direito privado que revistam utilidade pública, em Portugal ou no estrangeiro"- Por si não é mau, mas é perigoso se se atuar "precedendo autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros e das finanças". Parece-me positivo que seja "o director do centro [...] recrutado por escolha de entre membros das representações diplomáticas ou consulares, obtida a concordância do titular da mesma representação, e leitores, com experiência e currículo relevantes na área da gestão e divulgação cultural" - caso no entanto a exigência curricular feita aos leitores seja também feita aos "membroas das representações" (art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 165-B/2009). Parece-me que "dezasseis a dezoito horas" semanais é um horário letivo muito pesado para um professor universitário, ainda mais levando em conta as funções complementares que exercerá o leitor e que estão previstas nos diplomas. É possível que o disposto nestas linhas
"Em caso de cessação da comissão de serviço por iniciativa do docente antes do final do ano lectivo, este deve suportar os custos de viagem e de transporte de bagagem"
constitua limitação de direitos que são consignados ao docente, pois estará a ser penalizado por uma decisão que tem o direito de tomar.
E, de momento, é isto que o pacote legislativo me suscita. Junto com apenas mais uma pergunta: porque motivo não foi perguntado aos agentes no terreno o que achavam destas propostas? Não seria mais humilde e mais eficaz?