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28/07/2009

contos de antologia

António Fonseca publicou no INALD, por si dirigido, a coletânea Contos de antologia. Como se expõe logo de início, trata-se de uma obra que resulta de um programa radiofónico, iniciado em "Fevereiro ou Março de 1978". Para o que vou dizer é fundamental citar a intenção do programa: "pretendia-se a existência de um programa que tratasse de questões ligadas à valorização da Tradição Oral Africana e, particularmente, angolana". Mais adiante se diz: "cremos que, analisados os problemas que hoje se colocam à Cultura Nacional, o lançamento do programa terá sido uma forma de reconhecimento que na Cultura Nacional residem os fundamentos em que se ergue a Nação Angolana". O autor sabia "que a literatura oral não se desenvolve apenas nas comunidades tradicionais nem apenas nas línguas nacionais e que por vezes incorpora elementos oriundos de outras histórias e de outras culturas e alguns são mesmo novas criações para responder a necessidades específicas", eu diria, a situações específicas e também elas novas. Os contos são realmente representativos. "São contos originários de diversos complexos sócio-culturais angolanos, são próprios das comunidades históricas que constituem o povo angolano". O resultado, a volumosa antologia, é soberbo e muito profícuo para análises literárias e culturais. Desde logo obriga o antologiador, atento, a falar em "literatura oral antiga", portanto a separar uma oratura antiga de outra mais recente, o que é um grande passo em frente. Na verdade, só pensamos em literatura oral antiga, essa que vemos nos livros de recolhas de contos "populares", "tradicionais", etc.. No entanto circula, principalmente no meio urbano, toda uma outra oralidade, bem mais fluída, muitas vezes bem mais viva, instável tanto quanto a complexidade das novas e populosas cidades. É aí, ou por efeito cuja causa está aí, que vemos serem veiculadas "novas ideias que nada têm a ver com as sociedades tradicionais". A força da oralidade reside mesmo nessa apropriação de elementos 'modernos' e 'exógenos' e tal apropriação constitui de facto uma resposta saudável dada pelo nosso povo às preocupações dos intelectuais nativistas. O que lemos nesses contos é sintomático do estado mental do povo. E o povo não tem problema nenhum em misturar, sabe fazê-lo. Já na literatura oral antiga, de que há bastos exemplos na antologia, o tivera feito. Por exemplo naquela estória do rei que tem uma filha que é raptada (ou adoece, enfim, precisa de ser salva). Estórias estruturalmente afins encontramos, para citar apenas um caso, na Granada ibérica, berbere e árabe. Há outras, no acervo nacional angolano, reportadas já em Heli Chatelain, aparecem a figura do Governador e outras ligadas à colonização portuguesa. Essa criatividade transforma as antigas estruturas míticas, de maneira a que possam apropriar elementos exógenos e modernos. Umas vezes (a maoria das vezes, calculo) o mito mais antigo é estruturante; outras vezes as próprias estruturas tradicionais, míticas e morais, vão sendo alteradas também. E a realidade cultural do povo angolano é esta, profunda e livremente híbrida. O que dá o sentido mais forte, literaria e culturalmente falando, ao uso que faço do termo e do conceito de crioulidade, quer para me reportar à formação da literatura angolana, quer para falar de uma identidade agregadora que desde muito cedo começa a pensar e chamar os angolanos, angolenses, filhos da terra, etc. - como de resto aconteceu nos mais diversos países, principalmente da África e da América. Dizer, perante isto, que a crioulidade em Angola não existe, ou que está mitigada nos ensaios de alguns intelectuais, é meter a cabeça debaixo do chão para não ver o que se passa. Políticas de avestruz aplicadas à cultura a sul do Senegal indiscriminadamente.