Publicação em destaque

Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

28/11/2023

O poder poético


faz falar, não é? Ressuscita ou rePresenta, em face e no fundo, 
mesmo a vida e o alcance inalcançável
até do que é fixo, inamovível e transporta




 

27/11/2023

Fui ver o triângulo infernal -

afinal estava tudo no mesmo lugar


 

Semelhanças de família


"E tal é o resultado desta consideração: vemos uma rede complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam mutuamente. Semelhanças de conjunto e de pormenor"

)Wittgenstein, Investigações filosóficas, § 66(

 

26/11/2023

Cirurgia aleatória


 

Ego e transcendência


O cérebro é a parte do corpo que reúne e coordena as perceções e, portanto, resolve, decide. Pela sua atividade extraordinária percebemos que existe alguém de onde vêm tantas sensações e um «eu» que as trabalha, toma decisões, age ou manda agir. É claro que registamos recorrências e, pelos registos familiares, pessoais, culturais, somos levados a formar uma ideia geralmente fixa de nós próprios: existe uma pessoa que é 'assim', tem certos contornos, comporta-se de certa maneira, tal como tem o nariz torto ou comprido, com semelhanças com o de outros membros da família. Apegamo-nos a isso como se precisássemos de uma tábua de salvação, como se estivéssemos para naufragar. E não estamos. Estamos apenas a ver-nos, a apercebermo-nos e a conferir com registos anteriores que nos atribuem e nos atribuímos antes. E continuamos processando. Aí não há espírito, sopro divino, que se perceba, é o corpo no mundo agindo, coordenando-se, providenciando o necessário para continuar a agir. O que nos toca sem nos apercebermos, de que damos conta só depois e como reminiscência de uma fímbria de nuvem longínqua, não sei que imagem seria apropriada, penso que nenhuma, o que nos tocou sem percebermos e talvez acompanhe toda a extraordinária atividade do corpo com seu cérebro, isso é que, não tendo nome que lhe possamos atribuir, isso é que é transcendente. 

Nesta perspetiva, a imagem que temos de nós próprios, para ser autêntica, é dinâmica, vai se transformando constantemente. Não existe uma coisa chamada «eu», uma carapaça, máscara, perfil, ao qual adequamos decisões. Aliás, segundo a neurobiologia vem descobrindo, o cérebro decide antes de pensarmos que tomámos uma decisão. Tomamos é, depois, consciência de que esse organismo que nós somos decidiu e chamamos a isso tomarmos uma decisão 'sobre o assunto'. 
Perante o que não faz qualquer sentido qualquer atuação que se baseie em uma identidade fixa, de contornos específicos ou diacríticos, definidos e inamovíveis, ou minimamente, ou fragmentariamente, modificáveis, sem os quais a gente é como se deixasse de existir, os quais nos foram legados assim, em pacote embrulhado, por sagrados antes passados. Os registos necessários estão na memória viva, não fazem falta para construir muros, porque não são necessários muros (eficazes também não são). Os registos reativam-se, reavivam-se e transformam-se em função da utilidade imediata e da prevenção percebida como necessária. Não precisamos deles como de uma fortaleza contra os invasores. Precisamos é de estar atentos e de nos reinventarmos em função do que percebemos, com a devida e suposta assistência de um espírito impercetível - ou quase - que é também amor, porque não agride nem invade, coliga-se.

 

25/11/2023

Provérbio


Os que partiram 
deixaram os nomes

 

Caminho abandonado

para o velho moinho... 


Um dia d'estio, de sol dardejante, 
As roupas cobertas de terra e de pó,
Perseguia o fugidio trilho errante
Dos filhos dispersos da mis'ra Judá - 
Peregrino do Amor no silêncio atroz - 
O místico raiar no semblante da Fada.

Só o moinho 
abandonado 
lhe recolheu a voz
das jovens morenas
que ali vinham cantar.

(aperfeiçoando uns versos desconhecidos de Furtado Coelho, entre sorrisos e prantos)

24/11/2023

O salto fundador

da linhagem consiste num mergulho em abismo, transcendental à relação objeto-sujeito, fundindo os termos numa não-dualidade vertiginosa obstinada


(isto passado, alguém dirá: ninguém pode impedir o destino - mas o destino é, também, uma implosão; em torno dela, suaves serão as ondas)
 

23/11/2023

Burro zebrado com pernas cortadas - resumo aristotélico

 Pois, enquanto poeta, o lírico imita necessariamente. 
Não o que vê, mas o que podia ver. 
O que podia sendo estruturado segundo padrões formais, fractais e platónicos ao mesmo tempo. 


Vou dar um salto sobre o abismo - estória da velhice poética



tentando não tropeçar. O conhecido Homero, seja quem for, envelheceu sem desistir. Os de que falarei por aqui, todos, envelheceram sem se calarem. O prudente Horácio calculou pesos e, medindo a guerra e a terra, foi viver para uma quinta não muito longe de Roma, de onde envelheceu com uma sabedoria que transmitia por verso a todos. Houve apenas um problema: sem se ter vivido muito não se podia saborear nem reconhecer a sabedoria. Portanto os jovens iam caminhos afora e continuavam seguindo em busca desorientada, por mais sábios que haja. Essa busca nos é útil, embora possa conduzir ao mesmo, porém um novo mesmo idêntico a outro mesmo. O espelho tem vida própria, não vos surpreenda o aparente paradoxo de mais do que um mesmo que, talvez, apenas se possa chamar idêntico. 
Tentando um salto no abismo sem tropeçar, avisto agora o sublime neoclássico hippie Método de caligrafia para a mão esquerda (António Cabrita). Manteve a transparência, o sentido do ritmo fiel ao ouvido interno, como ao fluxo de perceções e de pensamentos que as examinam. Por isso relata com realismo autêntico (não-escolar) o envelhecimento. Mas, é claro, fica a mesma pergunta que talvez Horácio repetisse ignorando a ausência de resposta: pode um jovem ser velho? Apreciar o que só pela experiência as pessoas conseguem resumir e relatar com beleza?
Não sei. Arlindo Barbeitos, um descendente da casa grande em Angola, envelheceu também, com fiapos de sonho. Enfraqueceu a tensão do verso e das línguas mantendo o ritmo interno, o sopro já pausado mas ainda o seu, ou mais o seu, depurado. Mas o vigor da impressão que nos fica lendo a sua idade já mal se notava - a qualidade não diminuiu, a capacidade de nos transmitir um ambiente psicológico também não - pelo contrário, a oficina melhorou mais ainda. Porquê? Graças à extinção do excesso, à moderação da juventude que se extinguiu no corpo, nos pulmões, na moldura cinza dos olhos um tanto cansados e arredondados - embora afinando a lança pertinaz da perspicácia na pupila negra. O que nos fica?

Dito isto, como escrever quando o corpo começa a aprendizagem da pausa na respiração? A ver a morte aproximar, a grande pausa interestelar. O que fica? 
Não sei. Não faz sentido iludir a idade, num jovem, numa jovem, pintar os cabelos acrescenta a graça, a maturidade porém não se pinta, assume-se tão real quanto a juventude. No entanto, com todos os cabelos brancos penso que não serei velho, em algum ponto irradiante não serei, somos uma estrela, intimamente o que vive em nós é a explosão da estrela que se extingue no resplendor extremo que nos avassala deitando sobre a terra o peso inamovível dos ossos. Há, por tanto, um ponto de luz até à rebentação final, ao big-bang repetido em nós a cada morte ou renascimento. Essa estrela não nos larga. É o menino ou a menina que nos habita e alimenta e se depura nos aniversários diários das pálpebras e das memórias.
Fica o princípio no fim. Começamos a conhecer pelo contraste e complemento entre sombras e luzes. Abrir ainda os olhos, avivar a pupila, ver com a luz, escutar a noite, como um pirilampo, um vaga-lume que espera já o instante certo para emitir a rápida chama e vai. 
Talvez isso. Experimento. Nas mais variadas línguas.