Não é intelectual quem quer, é preciso também um conjunto de capacidades cognitivas e morais que, agregadas, fazem de nós intelectuais. Os que põem à frente de tudo o desejo de ser intelectuais, porque parece bem, porque lhes dá autoridade, prestígio, etc., notam-se logo porque forçam as coisas e, o mais grave, desde o início forçam a verdade a ser o que não é, melhor, a ser o que lhes der jeito a cada momento.
Entram para as academias, universidades, institutos e começam por introduzir a mentira sob as mais diversas formas. Exponho algumas que pessoalmente pude comprovar, algumas vias usadas nas academias portuguesas para mentir (e falo das portuguesas porque as conheci melhor, trabalhando nelas mais de 20 anos):
1) escrever cartas anónimas caluniando colegas;
2) escrever cartas secretas intrigando colegas;
3) impedir colegas de falar em mesas-redondas ou debates pós-comunicação sob pretextos vários mas apenas por se prever que nos venham desmentir;
4) usar sofismas para dizer que a verdade não o é;
5) os mais toscos dizem diretamente ser mentira aquilo mesmo que estamos a ver, como o marido apanhado na cama com outra diz à mulher que "não é o que estás a pensar";
6) dizer que não existe o que não conhecem;
7) dizer que leram livros que não leram e dar opiniões de cátedra sobre eles em conversas de corredor ou de café, por vezes mesmo em comunicações.
Neste 'blog', diário fragmentado e conventual, não se mente. Apanham-se fragmentos do quotidiano que suscitam reflexões através da imagem ou da escrita e partilha-se (daí o conventual) a reflexão com os que nos visitam.
Publicação em destaque
Átomos estéticos são também cognitivos
“Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...
07/09/2009
05/09/2009
batchi o que a áfrica não disse
Uma surpresa interessante o livro de estreia de Batchi, "pseudónimo literário de Basílio Tchindombe" como se diz na badana. O livro recebeu o prémio literário António Jacinto em 2008 e foi publicado pelo INALD com apoio do BPC.
O autor nasceu no Huambo em 1979, mas vive desde um ano e meio no Lubango, sendo professor em Caconda. O título da obra é sugestivo: O que a África não disse...
Em primeiro lugar estamos perante um narrador instigante, cuja obra deixa o leitor interessado do início ao fim. Para além disso vê-se que o autor domina bem, quer os aspetos históricos e antropológicos, quer as culturas em jogo (banto angolana e cristã europeia), quer as temáticas teológicas e filosóficas em que naturalmente envolve as personagens. Domina, ainda, a arte dos diálogos, que é a mais difícil numa narrativa. Efetivamente os diálogos nos parecem naturais, apesar do português antiquado (apropriado ao tempo da narração) e de umas poucas falhas nesse mesmo português antigo. Há raros momentos de inverosimilhança, no entanto ultrapassados e envolvidos por uma fina ironia. A par do português antigo e do português coloquial de hoje muitas falas são apresentadas em umbundo, com a respetiva tradução em português, comodamente, logo a seguir às frases, entre parêntesis, no corpo do texto.
Tchindombe mostra ainda uma grande profundidade de análise, apesar da leitura redutora da homossexualidade, que no entanto ganha graça no contexto, e apesar da facilidade da leitura poder levar o incauto a pensar que aquilo é tudo fácil, portátil e banal. Não é nada disso.
Habilmente o narrador guia a trama de maneira a que ela entrelace o cristianismo e a cultura banto sem que nenhum dos dois perca a sua verdade, mas denunciando o que havia em cada um deles de negativo (a intolerância e o dogmatismo do cristianismo europeu daqueles tempos iniciais da colonização de Benguela; a violência autoritária do sobado - que se converte no fim em sabedoria amorosa e cristã). Tudo retratado com seriedade mas sem o peso trágico dos grandes dramas da tradição clássica europeia, também sem a pesada metralha da literatura de combate, numa linguagem corrida e agradável ao ouvido, contando as coisas diretamente mas não secamente nem agressivamente.
Outra originalidade: apesar de tudo a narrativa angolana está muito ancorada ainda em espaços urbanos, particularmente em Luanda. Esta centra-se no interior, com a chegada dos dois primeiros padres a Caconda, no tempo dos jagas. Em certos momentos parece que estamos a ver uma banda desenhada e, no entanto, sabiamente o autor lhe entrelaça uma trama filosófica geralmente ausente das bandas desenhadas e mesmo de muitas narrativas urbanas.
Participa dessa riqueza reflexiva o retrato psicológico das personagens principais, que é também desenvolvido sem tornar a leitura penosa e está extremamente bem feito.
A intriga é complexa, de uma inesperada solução que se vai no entanto insinuando em nós com o autor a manejar bem a sugestão de suspense.
Enfim, com as fragilidades próprias de uma primeira obra, mas na verdade de pormenor e insignificantes, o que mais me importa agora sublinhar é que temos aqui um bom narrador e uma narrativa, como disse, instigante.
Para lê-la é preciso despirmo-nos de simplismos, primarismos e contorcionismos. Com a sua audácia, o autor nos obriga também a sermos francos e com a sua argúcia nos obriga a uma leitura subtil. Está de parabéns, bem como o júri e o INALD.
03/09/2009
01/09/2009
mirta benavente
Uma rara surpresa a arte de Mirta Benavente. Vi que se juntou a este 'blog' como 'seguidor' e fui à procura do 'blog' dela. Vão lá, vão gostar seguramente. Tem o nome da autora. Inclui pedaços de críticas à sua obra, obras várias assinadas por si, notícias relativas. É um 'blog' de autor, sem dúvida, mas muito bem gerido e com a reprodução de pinturas surpreendentes, perfeitas, ao mesmo tempo íntimas ou intimistas e exatas (exatas na sugestão: sabem exatamente o que sugerem e comseguem-no em cheio).
31/08/2009
pedro monteiro cardoso
Escritor, jornalista e político de Cabo Verde, Pedro Monteiro Cardoso é mal conhecido ainda fora do seu país.
Pertenceu a uma geração importante mas futilmente denegrida por revolucionários apressados. Hoje, felizmente, vem sendo recuperada. Não foi só a geração do mito das Hespérides (as ilhas imaginadas pelos gregos, que a geração dizia serem as do seu arquipélago). Veja-se o caso deste autor: para além de bom poeta - dentro dos parâmetros que seguia, formalmente conservadores - e bom cronista, foi político ativo em defesa da africanidade (assinava as suas crónicas com o pseudónimo "Afro"), da caboverdianidade, dos nativos das ilhas. Foi socialista e comunista. Fundou, com João Lopes, o jornal socialista Cabo Verde em S. Vicente (1920-1921), talvez o primeiro dessa orientação ideológica nas ex-colónias portuguesas. Fundou sozinho o jornal O manduco (1923-1924) no Fogo, sua terra natal. Escreveu em jornais cabo-verdianos e portugueses. Publicou uma bibliografia numerosa e variada, indo dos escritos etnográficos aos poéticos, aos cívicos, indo linguisticamente do português ao crioulo. Faleceu em 1942, na Praia, tendo nascido em 1883 (já li 1890, mas parece pouco fiável a fonte).
Vão ser editadas agora em Cabo Verde as suas crónicas políticas e cívicas, publicadas em A voz de Cabo Verde a partir de 1911.
Chegará também o tempo em que teremos aqui, recolhidas e editadas, as melhores crónicas de José de Fontes Pereira, as melhores sátiras jornalísticas de Pedro Félix Machado e outras peças que marcaram as últimas décadas do século XIX em Angola, um primeiro período de ouro do jornalismo nacional.
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