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04/04/2008

início e iniciado

palavras comuns, que muitas vezes usamos sem pensar nelas - como fazemos com tantas outras, afinal. Uma visita filológica, portanto:

Início vem do lat. initium, ii, que por sua vez tem origem no verbo ineo, que se compõe de in mais eo (o verbo eo, is, ire, que deu ir em português). Ineo significa “ir para”, de onde “entrar”, sendo que Cícero por exemplo o usava na frase “entrar em casa”. É daí que o significado se generaliza para “começar, empreender, executar”, etc.[1]

O iniciado é visto pelo senso comum como aquele que foi levado a entrar, levado para dentro. Mas o verbo, etimologicamente, não pressupõe que alguém leve alguém. É uma decisão própria e uma acção inteiramente pessoal: “ir para”, “entrar”. Se tivermos em conta a origem, diremos então que o iniciado é aquele que entrou, que foi para dentro de algo, por sua iniciativa – e que por isso começou um caminho.

Fica implícito que começou a conhecer alguma coisa. O que por sua vez nos atira para a palavra nobre. O nobre, que vem de *gnosco, é da família de conhecer (cum+*gnosco) e mesmo de nascer (nasco). O nobre é aquele que aprende a conhecer, que se inicia no conhecimento, começa a conhecer. É preciso no entanto notar aqui a diferença entre nobre e gnosco, por um lado, e começar a conhecer, por outro: o nobre inicia-se no entendimento e na sabedoria, ou inicia-se ao entendimento e à sabedoria; por sua vez, quem começa a conhecer inicia-se com alguém no conhecimento. De facto, começar é “iniciar com” e conhecer é “aprender com”. O nobre, dele se diz apenas que é quem entra no conhecimento, mas a palavra que designava inicialmente conhecimento não era antecedida pelo ‘com’ [cum latino], portanto ele principiava uma aprendizagem, não sendo rigorosa a expressão “começava a conhecer”.

O nobre é, portanto, o iniciado – de onde não ser estranho que as sociedades iniciáticas tenham muitas vezes aparecido e criado raízes nas casas nobres, de onde se espalharam para toda a sociedade. Ao mesmo tempo em que o verbo conhecer se ligou definitivamente ao seu prefixo, no português (no inglês, por exemplo, é ‘know’ – da mesma raiz indo-europeia de *gnosco, sem o ‘com’), foi-se consolidando a ideia de sociedades para o conhecimento, nas quais o nobre era iniciado numa aprendizagem partilhada, com outros nobres (outros iniciados e os Mestres). Ali a iniciação é conventual e já faz sentido falar em conhecimento, que é aprender com outros.


[1] A. Gomes Ferreira, Dicionário de Latim-Português.