Companhia forma-se a partir de companha, a qual tem já origem no latim. No latim, compania é um grupo de pessoas que comem juntas o mesmo pão; o companio[1] é aquele com quem se reparte o pão. O gótico germânico tinha uma formação semanticamente igual: gahlaiba, formado de ga (com) e hlaiba (pão)[2]. Citando Nascentes, o dicionário Houaiss esclarece que o sentido se generalizou daí para o que hoje usamos, e usávamos já no século XIX e antes, pois a palavra companha e a palavra companhia entram já direccionadas para tais significados no século XIII e no seguinte, em Portugal e por aí na futura lusofonia.
O profundo sentido de companhia é portanto o de partilha, da comunhão pelo pão, supõe-se que num mesmo espaço, mas a filologia da palavra não nos indica isso. É a solidariedade, se quisermos usar uma palavra gasta mas contemporânea. Aqueles que partilham o mesmo alimento fundamental são os companheiros. Os camaradas não. Os camaradas encontram-se para dormir, partilham o mesmo sono. Os soldados, por exemplo, que dormem na mesma camarata, são propriamente camaradas, em rigor não de armas, mas por conventualizarem o sono. Uma vez que o fazem por serem militares, criou-se a expressão ‘camaradas de armas’. Mas o nome vem de dormirem no mesmo espaço, ícone de um templo. Uma vez que partilhavam a sua existência durante algum tempo e no mesmo espaço, passou a palavra a dizer também ‘companheiro’, pelo menos desde 1592[3]. Na verdade o companheiro tanto é o que está no mesmo espaço quanto aquele que vai connosco de um para outro lugar. O camarada não o é por irmos juntos seja onde for, mas por ficarmos a repousar juntos. Portanto, aqueles que partiram para o sol nascente é natural que repousem lado a lado, uma vez que partilham lá o sono eterno como sói dizer-se. Os outros comungam a peregrinação no “vale de lágrimas” e nele se entreajudam partilhando o pão da vida.
Filologicamente, é esta a diferença fundamental entre companheiros e camaradas.