(verso do poeta colonial português Tomás Vieira da Cruz em Quissange - saudade negra [Luanda: Lello, 1932])
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31/03/2024
30/03/2024
Teimam, frágeis,
as ervas humildes. E renascem, todo o ano, mesmo presas entre o basalto e a poeira de luz
“humildes filhas do povo, que do vasto areal ao pé iam
transportando à cabeça o entulho necessário”
- dá numa quadra engraçada, realista, vagamente evocando Guerra Junqueiro:
Humildes filhas do povo,
do vasto areal ao pé
transportavam à cabeça
o entulho necessário
- com uma ironia que, essa, não é junqueiriana e também não é queirosiana, mas camiliana...
29/03/2024
28/03/2024
27/03/2024
Assimilações transculturais
"to see why and in what manner people often of different stock, with different customs and languages, joined each other, merged with a core group to which they became assimilated but which itself, to some extent, changed in the course of this process"
(Norbert Elias no Gana, estudando o povo Krobo)
(O que se vê aqui é um fragmento do bairro da Malagueira, criado por Siza Vieira a convite da Câmara de Évora. O processo começou em 1977 e foi nesse ano que, pela primeira vez, o arquiteto portuense visitou Évora. Entre vários aspetos, é curioso como o arquiteto imaginou essa pequena cidade (o bairro concebido como miniatura urbana) integradora dos mais diversos tipos sociais e familiares. O predomínio claro do branco, vincadamente enquadrado por linhas retas, atira-nos para aldeamentos norte-africanos, espanhóis do sul e para urbanidades antigas do Alentejo, mas estilizando. O aqueduto que atravessa várias partes do bairro recorda o aqueduto de água da prata, de Évora. Devia ser em pedra mas, para poupar gastos, acabou ficando em blocos cinzentos de cimento, esverdeado e escurecido e enfeiado pela humidade e pelo descaso. A serventia é boa, atualizando a função do tipo: lá dentro correm fios, cabos, diversos, por exemplo. Certas partes em tijolo (chão, paredes), num ponto do bairro muito próximo deste, aproximam-se também do uso de tijolo e tijoleira no Alentejo e algumas partes próximas da vizinha Espanha.
Havia limitações bem definidas para não se alterar a traça caraterística da conceção do bairro. Mas moram lá pessoas e famílias que adaptam a estilização branca e de linhas retas e alteram-na. Algumas dessas famílias vinham de mais a norte, ou a sul, de zonas onde se cultuam pedras na construção, casas menos brancas, onde a vegetação marca o espaço habitado e seu entorno imediato, de maneira que podemos ver a mistura de casas típicas do interior centro e norte (incluindo com improvisação de telheiros nos terraços), ou do Algarve, em pleno modelo 'alentejano' e 'árabe' estilizado. Uns inundam de flores, arbustos e árvores o branco nu das paredes e dos muros retilíneos. Outros fecham os pátios, que são fundamentais para a gestão equilibrada e inteligente da luz e do calor. Outros ainda colocam nos terraços até galinheiros, toldos típicos de casas de praia no Algarve, ou telhados para transformarem o terraço em uma espécie de telheiro aberto; muitos vasos, trepadeiras, pequenas árvores de fruto, ou arbustos grandes e verdes, trazem sinal da forte ligação, muito portuguesa, à fertilidade, à flora, à proliferação de verdes e cores que se destacam sobre as paredes brancas e as casas retangulares. Outros até chegam a montar nos terraços mini-casas ou divisões em madeira, próprias de construções em madeira para quintas ou quintais vastos. O resultado é muitas vezes desanimador; outras vezes mostra como o modelo seguido para criar o bairro não correspondia ao que as pessoas tinham na cabeça como casa, ou só correspondia em certos aspetos. As casas alentejanas são caiadas (material barato e apropriado, a cal, a combinar com uma antiga arquitetura de terra e pedras porosas, que ajuda as paredes e casas a respirar), o branco delas vinha daí. Mas as linhas retas não. A construção da casa pobre e típica alentejana arredondava as formas, adoçava os ângulos, quer pelos materiais usados, quer pelos instrumentos, quer pela constante aplicação de cal ao longo do ano. As janelas eram mais abertas do lado de fora e estreitavam na parte de dentro, podendo-se olhar de dentro para fora com alcance maior a partir de um espaço menor, como num filtro invertido. De fora para dentro, quase nada se via, não só porque a janela estreitava como também porque o estreitamento filtrava e dirigia a luz de forma a que, dentro, houvesse incidências de luz em ambiente de penumbra, aconselhável para os verões quentes e secos, que ajudava a refrescar a casa com a transpiração das paredes, que acumulavam humidade ao longo do tempo de chuva.
Construindo com materiais modernos - e, sobretudo, cimento - necessariamente a estilização rompia com muitos aspetos da casa pobre e tradicional. Mas as janelas e portas e pátios foram pensados em função da rotação do sol ao longo das estações, de maneira que, bem gerido o fecho e abertura de persianas e cortinas, as casas mantêm-se frescas no Verão e quentes no Inverno - por outros processos, como se vê. Quando se desfaz esse jogo, por exemplo tapando o pátio, as casas ficam húmidas e desagradáveis.
Mas, acima de tudo, o que se realizou com o planejamento do bairro e, em parte, a posterior concretização, como também a posterior moradia, habitação, habituação, o que vimos foi um processo híbrido e um tanto imprevisto de transculturações ambientadas (e desambientadas algumas), remexendo nas memórias arcaicas, atualizando-as por modelos ainda com raízes modernistas (as linhas definidas, tendencialmente retilíneas, bem vincadas) e abstracionistas, apessoando-as conforme as famílias ocupavam e refuncionalizavam e reficcionalizavam os espaços em razão de memórias familiares, 'étnicas' ou regionais.
Entretanto, a 'etnia' não deixou de se identificar como alentejana e eborense).
26/03/2024
25/03/2024
24/03/2024
Aquilo que se olha
e não se vê,
chama-se invisível
(Lao Tsé, Tao te ching, cp. 14)
alternativa ocidental: aquele que olha e não vê chama pelo invisível
23/03/2024
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