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Ritual de circum-estância
Por facilitismo diria que Deus é a circum-estância. Deus: à carência de analogia respondemos com a luz do dia (Deus e Dia, mesma raiz); é: o facilitismo, dizemos que "é", muitas vezes, a querermos indicar "passa por" (é o caso), "atributo", "aspeto" ou "motivo" que nos recordou o seu nome.
Alguns dizem que Deus é o silêncio. Também querem dizer que passa pelo silêncio, filtra-se para ele (guardado seja o seu nome) e pelo silêncio a nossa perceção, porque nestas matérias só pode ser extrassensorial. Em razão da circunstância que vivíamos, absolutamente recuados mas farejando o perigo nos poros até mesmo das paredes, o silêncio era invadido por um rumor de medo e o medo se apagava com uma bala circunstancial.
Alguns dizem que Deus é o rito. Querem também dizer que passa pelo rito, que o rito acorda em nós essa perceção extraordinária, rara mesmo que sempre a víssemos a todo o momento, com uma identidade inconfundível e, no entanto, nunca se repetindo. Porém o rito salva-se pela circunstância. Para acalmarmos o medo, para mimarmos a criança quase dormindo, atacada pelos sobressaltos do sono próximo, quando já a eletroquímica do cérebro começa a limpar e reestruturar a memória, caímos na tentação comum de calendarizar o rito. Por isso fica vazio, na sua fidelíssima repetição, fiel ao que se vê, sublinhando uma sequência visual inalterável. Entre a penumbra do recuo, quando parece que palavas "silêncio", "sombra", "vazio", "expetativa", "nada", "ausência absoluta" ganham sentido, corpo, densidade palpável, um sinal abre o caminho de um rito e o praticamos. Sacrificamos os músculos do futuro e os ossos do passado para nos religarmos, instantaneamente guiados pela mão do rito que nos é ditado só minuto a minuto, irrepetível. Algo se conjuga de tal forma que as consequências duram milénios - e não as conhecemos além de uma difusa intuição.
Acautela-te, caveira ambulante. Abre os olhos. A vida estará na ambulância. O sinal está na circunstância.