Uma surpresa interessante o livro de estreia de Batchi, "pseudónimo literário de Basílio Tchindombe" como se diz na badana. O livro recebeu o prémio literário António Jacinto em 2008 e foi publicado pelo INALD com apoio do BPC.
O autor nasceu no Huambo em 1979, mas vive desde um ano e meio no Lubango, sendo professor em Caconda. O título da obra é sugestivo: O que a África não disse...
Em primeiro lugar estamos perante um narrador instigante, cuja obra deixa o leitor interessado do início ao fim. Para além disso vê-se que o autor domina bem, quer os aspetos históricos e antropológicos, quer as culturas em jogo (banto angolana e cristã europeia), quer as temáticas teológicas e filosóficas em que naturalmente envolve as personagens. Domina, ainda, a arte dos diálogos, que é a mais difícil numa narrativa. Efetivamente os diálogos nos parecem naturais, apesar do português antiquado (apropriado ao tempo da narração) e de umas poucas falhas nesse mesmo português antigo. Há raros momentos de inverosimilhança, no entanto ultrapassados e envolvidos por uma fina ironia. A par do português antigo e do português coloquial de hoje muitas falas são apresentadas em umbundo, com a respetiva tradução em português, comodamente, logo a seguir às frases, entre parêntesis, no corpo do texto.
Tchindombe mostra ainda uma grande profundidade de análise, apesar da leitura redutora da homossexualidade, que no entanto ganha graça no contexto, e apesar da facilidade da leitura poder levar o incauto a pensar que aquilo é tudo fácil, portátil e banal. Não é nada disso.
Habilmente o narrador guia a trama de maneira a que ela entrelace o cristianismo e a cultura banto sem que nenhum dos dois perca a sua verdade, mas denunciando o que havia em cada um deles de negativo (a intolerância e o dogmatismo do cristianismo europeu daqueles tempos iniciais da colonização de Benguela; a violência autoritária do sobado - que se converte no fim em sabedoria amorosa e cristã). Tudo retratado com seriedade mas sem o peso trágico dos grandes dramas da tradição clássica europeia, também sem a pesada metralha da literatura de combate, numa linguagem corrida e agradável ao ouvido, contando as coisas diretamente mas não secamente nem agressivamente.
Outra originalidade: apesar de tudo a narrativa angolana está muito ancorada ainda em espaços urbanos, particularmente em Luanda. Esta centra-se no interior, com a chegada dos dois primeiros padres a Caconda, no tempo dos jagas. Em certos momentos parece que estamos a ver uma banda desenhada e, no entanto, sabiamente o autor lhe entrelaça uma trama filosófica geralmente ausente das bandas desenhadas e mesmo de muitas narrativas urbanas.
Participa dessa riqueza reflexiva o retrato psicológico das personagens principais, que é também desenvolvido sem tornar a leitura penosa e está extremamente bem feito.
A intriga é complexa, de uma inesperada solução que se vai no entanto insinuando em nós com o autor a manejar bem a sugestão de suspense.
Enfim, com as fragilidades próprias de uma primeira obra, mas na verdade de pormenor e insignificantes, o que mais me importa agora sublinhar é que temos aqui um bom narrador e uma narrativa, como disse, instigante.
Para lê-la é preciso despirmo-nos de simplismos, primarismos e contorcionismos. Com a sua audácia, o autor nos obriga também a sermos francos e com a sua argúcia nos obriga a uma leitura subtil. Está de parabéns, bem como o júri e o INALD.
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mirta benavente
Uma rara surpresa a arte de Mirta Benavente. Vi que se juntou a este 'blog' como 'seguidor' e fui à procura do 'blog' dela. Vão lá, vão gostar seguramente. Tem o nome da autora. Inclui pedaços de críticas à sua obra, obras várias assinadas por si, notícias relativas. É um 'blog' de autor, sem dúvida, mas muito bem gerido e com a reprodução de pinturas surpreendentes, perfeitas, ao mesmo tempo íntimas ou intimistas e exatas (exatas na sugestão: sabem exatamente o que sugerem e comseguem-no em cheio).
31/08/2009
pedro monteiro cardoso
Escritor, jornalista e político de Cabo Verde, Pedro Monteiro Cardoso é mal conhecido ainda fora do seu país.
Pertenceu a uma geração importante mas futilmente denegrida por revolucionários apressados. Hoje, felizmente, vem sendo recuperada. Não foi só a geração do mito das Hespérides (as ilhas imaginadas pelos gregos, que a geração dizia serem as do seu arquipélago). Veja-se o caso deste autor: para além de bom poeta - dentro dos parâmetros que seguia, formalmente conservadores - e bom cronista, foi político ativo em defesa da africanidade (assinava as suas crónicas com o pseudónimo "Afro"), da caboverdianidade, dos nativos das ilhas. Foi socialista e comunista. Fundou, com João Lopes, o jornal socialista Cabo Verde em S. Vicente (1920-1921), talvez o primeiro dessa orientação ideológica nas ex-colónias portuguesas. Fundou sozinho o jornal O manduco (1923-1924) no Fogo, sua terra natal. Escreveu em jornais cabo-verdianos e portugueses. Publicou uma bibliografia numerosa e variada, indo dos escritos etnográficos aos poéticos, aos cívicos, indo linguisticamente do português ao crioulo. Faleceu em 1942, na Praia, tendo nascido em 1883 (já li 1890, mas parece pouco fiável a fonte).
Vão ser editadas agora em Cabo Verde as suas crónicas políticas e cívicas, publicadas em A voz de Cabo Verde a partir de 1911.
Chegará também o tempo em que teremos aqui, recolhidas e editadas, as melhores crónicas de José de Fontes Pereira, as melhores sátiras jornalísticas de Pedro Félix Machado e outras peças que marcaram as últimas décadas do século XIX em Angola, um primeiro período de ouro do jornalismo nacional.
30/08/2009
aniversários
Agosto é um mês forte em aniversários significativos de escritores, intelectuais e políticos angolanos. Entre outros, alinho os de que me lembro agora:
3 de Agosto: Jonas Malheiro Savimbi (Munhango, 1934) e David Mestre (Luís Filipe Guimarães da Mota Veiga, Loures, 1948)
10 de Agosto: António Gonçalves (1960)
17 de Agosto: Óscar Bento Ribas (Luanda, 1909)
21 de Agosto: Mário Pinto de Andrade (Golungo Alto, 1928)
25 de Agosto: Paulo de Carvalho (Luanda, 1960)
28 de Agosto: José Eduardo dos Santos (Luanda, 1942)
29 de Agosto: Uanhenga Xitu (Calomboloca, 1924) e José Carlos Venâncio (Luanda, 1954)
Sei que há mais, mas não me recordo neste momento nem a 'net' se recorda, pelo que pude ver.
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