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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

22/08/2009

cópia de informação da pide sobre viriato da cruz e o mpla

A cópia foi tirada por Edmundo Rocha. Reparem como só nos princípios de 1960 é mencionado o MPLA. Em outras informações dos anos 50 nunca se menciona o MPLA. Deve ter, portanto, sido criado no princípio desse ano.

a criação do mpla

Um dos grandes atrativos do MPLA é o de não se saber ao certo, nem o que é, nem o que vai ser, nem sequer quando foi criado. Mas tornou-se consensual, por investigações e testemunhos e confissões, que não foi criado em 1956. Um Prémio nacional de cultura e artes relativamente recente, Edmundo Rocha, confirmou-o e tinha vivido os acontecimentos o suficiente e investigado o suficiente para afirmar isso. Corrigiu alguns exageros ou alguma precipitação de Carlos Pacheco, o primeiro a investigar frontalmente o grande mito da criação do MPLA em 1956. Lembro-me de há uns anos, finais dos 9o talvez, ouvir Beli Belô a confessar publicamente, no Museu República e Resistência, em Lisboa, que o MPLA não tinha sido criado em 1956. Viriato fez nesse ano um manifesto que foi servindo várias iniciativas de nacionalistas urbanos (sobretudo luandenses) e veio a ser a base do manifesto do MPLA. O Dr. Edmundo Rocha coordenou, com um insignificante apoio da minha parte, um livro sobre Viriato da Cruz, distribuído em Luanda pela Chá de Caxinde, em que justamente comprova tudo, em que republica cópia integral do manifesto de 1956, que eu vi com os meus olhos. Está lá no livro e em momento algum se fala no MPLA, usa-se sim uma frase, na qual se diz que é necessário um amplo movimento popular para a libertação de Angola, ou algo muito parecido. Como o Manifesto de 56 foi o guia de toda essa geração nacionalista urbana e acabou sendo o guia do próprio MPLA durante muitos anos (ainda podia ser hoje...), acabaram aproveitando a frase, que exprimia as ânsias dos nacionalistas de esquerda, para criar a sigla - o que acho muito provável. E, precisando de uma sigla para se fazerem representar, frente à UPA/FNLA, Mário Pinto de Andrade e seus amigos criaram o MPLA e começaram a assinar comunicados em nome do 'amplo movimento' - na altura constituído por um grupo restrito. No entanto, em Angola, Rosa Cruz e Silva chefiou uma equipa que (re)escreveu a estória do MPLA, oficial. Ficou muito bonita graficamente. Em Benguela distribuíram-na como quem desse um presente raro. Raro e valioso. Foi dado a pessoas distintas no poder e no partido. Todos se orgulhavam de a ter em casa e, de forma geral, a não lêem. Fazem bem, porque está cheia de imprecisões, lacunas ou mesmo mentiras. Apesar de todos estes dados e de não haver grande prejuízo em assumir a verdade, a formosa historiadora fez com que se mantivesse uma antiga 'verdade' oficial, a da criação do Partido em 1956 - coisa em que já ninguém acredita. Na 6.ª F.ª passada foi à homenagem a Mário Pinto de Andrade feita na Universidade Lusíada de Angola. E reafirmou tudo apesar das evidências em contrário. O público (maioritariamente estudantil) ficou estupefacto, percebendo que não podia confiar na sua ministra. Eu confesso que não me admirei muito.

recargas

21/08/2009

cavaleiro andante

homenagem a uma cultura desconhecida

Sofismas neo-nativistas



Por exemplo: não há culturas mestiças porque não há culturas puras. Mas só quem fala em culturas e raças puras são os neonativistas. Porque é que intelectuais como Luís Kandjimbo afirmam repetidamente que é preciso expurgar a cultura angolana da lama da crioulidade? Porque é que defendem a limpeza cultural e étnica da literatura angolana? Resposta ao sofisma: dificilmente haverá culturas puras, logo só há culturas que se misturam e remisturam indefinidamente no tempo e no espaço. 


Confundem os neonativistas haver culturas puras com haver culturas com perfil próprio ainda que mutante. Se há culturas com perfil próprio, sempre que alguém junta coisas de duas (ou mais) cria um novo perfil, eventualmente uma nova cultura, que só pode ser definida como híbrida, misturada, portanto mestiça. Quando o seu perfil estiver definido ela se misturará com outras naturalmente. O mesmo para as raças. Luís Kandjimbo, que pretende reduzir a produção cultural angolana à fixação de uma matriz banto (que ele próprio nunca definiu), e que fala sempre na cultura e nas culturas negras, diz agora que não há raças (eu concordo), mas para negar que haja mestiços, porque todos somos mestiços. Nesse caso, que sentido faz falar de 'negros'? Se 'negros' é uma construção social errada, sem base científica, faz sentido desfazê-la e denunciá-la em vez de a manipularmos também. 

Sem dúvida que, se não todos, pelo menos a maioria esmagadora integrou misturas biológicas e culturais (alguns poucos povos se isolaram durante séculos, isso foi 'depurando a raça'?). Mas, como para as culturas, assim também para definições de cariz físico e biológico há perfis, semelhanças de família como diria Wittgenstein. Sem dúvida que não são eternos mas, enquanto duram, ajudam-nos a identificar origens diversas entradas numa nova totalidade. E, quando alguém nasce de pessoas com origens diferentes (caso extremo e hoje comum: de continentes diferentes), diz-se por isso que tal pessoa é mestiça. 

 Afirmam alguns neonativistas que só se deve levar em conta as culturas africanas 'autóctones', 'negras', enfim puras, porque foi nelas que nasceu e se deu claramente a luta contra o colonialismo, enquanto nas zonas crioulas, ou entre os que se não assumiram como 'negros', 'tradicionais', enfim bantos, houve sempre ambiguidades. É mentira: basta ver quantos não-bantos, ou mestiços de bantos e não-bantos, decididamente lutaram contra o colonialismo português em Angola. Inseridos nos conjuntos percentuais das respetivas populações, a participação desses angolanos na luta de libertação não os desonra de maneira nenhuma. Basta lembrar a tais neonativistas que o cónego Manuel das Neves era um exemplo típico de crioulo, do que nós (eu, José Carlos Venâncio, M. António) cada um à sua maneira definimos como crioulo. Resposta ao sofisma: quem lutou pela independência foi porque se tornou angolano, se sentiu e se identificou como angolano. A partir desse momento aceitou participar de uma nova totalidade que superava as definições (os perfis) anteriores. Por esse motivo encontramos, na luta de libertação, filhos de bantos e de não-bantos misturados e juntos. Todos formam hoje a nação angolana. Há mais equívocos mas estou farto de perder tempo com os equívocos neonativistas.

Ciao. 

luandino vieira e a dignidade

A seguir às lamentáveis cenas que vão ler abaixo, Luandino Vieira falou, na mesa dos escritores da Conferência Internacion sobre Óscar Ribas e começou dizendo que queria lembrar ali o maior poeta lírico angolano e um dos seus maiores ensaístas, Mário António (Fernandes de Oliveira). Declamou parte de um poema de M. António, «Canto de farra» ("Quando li Jubiabá / me cri António Balduíno / meu primo que nunca o leu / ficou Zeca Camarão"...). Disse mais: que redescobriu a sua angolanidade e compreendeu-se a si próprio desde a sua infância com Óscar Ribas. Que o seu conto «A galinha e o ovo» o deve às leituras das obras de Óscar Ribas (ele disse qual, concretamente, eu agora é que não me lembro). Que frases, palavras, expressões que lia em Óscar Ribas lhe tinham inspirado inúmeras páginas. Luandino Vieira, com a autoridade que foi conquistando ao longo dos anos enquanto escritor e angolano, tomou assim a atitude mais digna da Conferência Internacional sobre Óscar Ribas. Daqui o saúdo, com respeito.

vice-ministro vaiado

As mesas de literatura, na Conferência Internacional sobre Óscar Ribas, foram, para mim, as melhores no seu conjunto. Até o Pires Laranjeira gostei de ouvir falar, colocando com exatidão Óscar Ribas enquanto autor (e obra) intermédio que pode ser puxado pelo discurso nacionalista, pelo nativista, pelo colonial, etc., mas que é mesmo intermédio. O tom geral das comunicações nessas mesas foi no mesmo sentido, de resto evidente e assumido pelo próprio Óscar Ribas. É, portanto, de estranhar que Luís Kandjimbo, Virgílio Coelho e Jorge Macedo tenham atacado violentamente a comunicação de Abreu Paxe que, partindo do conceito de fronteira de Lotman, disse exatamente o mesmo que Pires Laranjeira e os outros, eu próprio incluído. Disse mais que isso não era de estranhar porque o autor era um mestiço cultural e biológico, lembrando que ele se definia também assim - o que de resto já tinha sido lembrado pelo testemunho, vital, de um dos seus informantes. E que, se ele era o exemplo da angolanidade, a angolanidade era um conceito de fronteira. Um crime, não haja dúvidas... Perante o 'crime', quiseram obrigar o ensaísta, poeta e professor universitário a modificar a sua comunicação com a ameaça velada de não a publicarem caso não a mudasse. E tudo isso porquê? Porque o vice-ministro Luís Kandjimbo entendia (e bem) que as conclusões de Paxe são parecidas com as de M. António (que Abreu Paxe confessou nunca ter lido e eu sei que é verdade). Luís Kandjimbo disse que M. António tinha trazido muitos equívocos à cultura angolana, equivocos graves, perigosos, etc., e que ele próprio (M. António) nos últimos anos da sua vida se terá afastado das suas teorias sobre as ilhas crioulas angolanas - o que é uma completa mentira, que só podia ser dita por alguém que não sabe (ou pensa que os outros não sabem) como foram os últimos anos de vida de M. António. Baseado nessas falaciosas argumentações (na verdade, o único equívoco está na cabeça do Luís Kandjimbo, que parece não se livrar do fantasma do M. António), baseado nessas falaciosas argumentações, repito, Kandjimbo recomendou vivamente a Abreu Paxe a mudança no texto da sua comunicação antes da publicação, com uma ameaça não muito velada, pois ele não se devia esquecer que as comunicações eram para publicar... Ato contínuo Virgílio Coelho, a 'moderar' a mesa, intimou Abreu Paxe a assumir ali que mudaria a comunicação. Foi nesse ponto que a assembleia ali reunida, com especialistas, académicos, escritores (poucos), estudantes, reagiu vaiando ambos, chegando vozes a falar em "censura", "violência" e a dizer, repetidamente, "isso não". Uma vergonha que devia levar o vice-ministro a demitir-se ou pedir, pelo menos, desculpas. Ao invés disso a ministra toma em seguida a palavra. Disse que falava como historiadora, o que só naquele momento disse. E disse que não foi a conferência de Berlim que definiu as fronteiras angolanas. Que grande historiadora, não haja dúvidas... Pensava talvez nas mudanças, pouco significativas, que vieram depois (o saliente de Cazombo, por exemplo). Abreu Paxe podia tê-la desmentido imediatamente, mas preferiu reagir com elegância e com prudência. A sessão encerrou-se. O que se fez no intervalo? Abertamente Luís Kandjimbo e Jorge Macedo foram ter com Abreu Paxe, não para se explicarem, mas para o ameaçarem, dizendo que ele devia mudar de ideias e de companhias porque andava mal acompanhado... Isto não é comportamento para um membro do governo. Luís Kandjimbo, no entanto, perdeu a máscara. Agora todos temos a obrigação de nos precavermos contra este ministério: quando foi o festival de cinema a ministra defendeu a censura a um filme; no Encontro sobre Óscar Ribas o vice-ministro tenta obrigar um conferencista a mudar o texto da sua comunicação. Não é só lamentável. É inadmissível.