Lembro-me, como se não fosse hoje, fiquei de guarda muitos anos ali. Era terrível e belo. Muita solidão. Ninguém à vista por dias e dias. A comida chegava pelos degraus tão devagar que, por vezes, passei fome. Aprendi a comer o mínimo indispensável à sobrevivência. Com o tempo me apercebi de que assim ficava mais lúcido, de que o excesso de alimento me turvava a inteligência, a perceção, a intuição. Fazia exercícios físicos e mentais diariamente ao longo dos meses em que sentia medo de enlouquecer. Olhava para os longos verdes sobre escarpas pedregosas e as altas montanhas de onde, felizmente, era muito raro vir algum inimigo. Assistia ao compor e decompor das estações como poemas refazendo-se e desfazendo-se. Lia Bashô, Matsuo, o japonês e um caderno de contos zen, manuscrito, que a última namorada me oferecera antes de partir, com a família, para Pequim. Lembro como se não fosse hoje. Foi ali que me tornei perfeito.
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