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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

24/08/2009

luanda sul

cronologia literária angolana

Umas das conferências mais sérias do Encontro internacional sobre Óscar Ribas foi a do Prof. António Costa. Ele é hoje mais conhecido em Angola pelo seu trabalho ensaístico, docente e jornalístico no âmbito da linguística. Mas eu conheço-lhe, felizmente, essa veia crítica desde que, no início dos anos 90, trocámos em Braga algumas impressões sobre literatura angolana e, em particular, sobre Castro Soromenho. Propõe António Costa na sua conferência "três segmentos historiográficos" englobantes do percurso diacrónico da nossa literatura: 1 - desde o início da formação de uma literatura em Angola até à geração da Mensagem; 2 - desde a geração da Mensagem até aos anos 80; 3 - dos anos 80 em diante. Há muito que penso assim mas não tinha nunca formulado, com tal clareza, o meu pensamento. Podem chover críticas, por exemplo dizendo que há um período muito longo e, depois, dois muito curtos. Mas a História não é simétrica. Para além disso, o último período não sabemos quanto vai durar, portanto não sabemos se é curto. O do meio é incontornável: é nele que o escritor e o seu público pensam conscientemente na mudança de paradigma estético e, sobretudo, político. É nesse momento que a angolanidade da literatura se torna uma exigência e a sua construção obrigatória. Após esse momento, breve, de fixação identitária começam os nossos escritores a deslocar-se para fora do circuito estreito do neo-realismo e, com isso, a superar os paradigmas estéticos da Mensagem. Mas só a partir dos anos 80 (A. Costa exemplifica com a publicação de Mayombe, uma obra de charneira sem dúvida, mas há várias outras, de autores revelados nos anos 60 - finais, sobretudo - e 70), só a partir dos anos 80 a literatura angolana fica livre dos paradigmas estéticos da Mensagem. Não se sustentem equívocos: fica livre; deixa de sentir-se obrigada a segui-los (é tão livre de segui-los quanto de não o fazer e geralmente não o faz). A partir daí é de facto outra a nossa história literária: a da disseminação e dispersão, da deriva em busca de novos rumos, encontrando-os, explorando-os, apropriando e transformando localmente novos paradigmas e novos conhecimentos técnicos. Com essa cronografia António Costa vem a situar perfeitamente a obra de Óscar Ribas dentro do que foram os seus paradigmas estéticos e culturais, do seu tempo e do seu lugar. Outras comunicações completaram o quadro, por exemplo referindo a cultura científica e a ligação entre etnografia e positivismo (para além da ligação com o romantismo de que muito bem fala A. Costa). Mas acho que esta se torna, a par de outras sem dúvida, uma referência básica para os estudantes de literatura angolana. Que somos todos.

22/08/2009

cópia de informação da pide sobre viriato da cruz e o mpla

A cópia foi tirada por Edmundo Rocha. Reparem como só nos princípios de 1960 é mencionado o MPLA. Em outras informações dos anos 50 nunca se menciona o MPLA. Deve ter, portanto, sido criado no princípio desse ano.

a criação do mpla

Um dos grandes atrativos do MPLA é o de não se saber ao certo, nem o que é, nem o que vai ser, nem sequer quando foi criado. Mas tornou-se consensual, por investigações e testemunhos e confissões, que não foi criado em 1956. Um Prémio nacional de cultura e artes relativamente recente, Edmundo Rocha, confirmou-o e tinha vivido os acontecimentos o suficiente e investigado o suficiente para afirmar isso. Corrigiu alguns exageros ou alguma precipitação de Carlos Pacheco, o primeiro a investigar frontalmente o grande mito da criação do MPLA em 1956. Lembro-me de há uns anos, finais dos 9o talvez, ouvir Beli Belô a confessar publicamente, no Museu República e Resistência, em Lisboa, que o MPLA não tinha sido criado em 1956. Viriato fez nesse ano um manifesto que foi servindo várias iniciativas de nacionalistas urbanos (sobretudo luandenses) e veio a ser a base do manifesto do MPLA. O Dr. Edmundo Rocha coordenou, com um insignificante apoio da minha parte, um livro sobre Viriato da Cruz, distribuído em Luanda pela Chá de Caxinde, em que justamente comprova tudo, em que republica cópia integral do manifesto de 1956, que eu vi com os meus olhos. Está lá no livro e em momento algum se fala no MPLA, usa-se sim uma frase, na qual se diz que é necessário um amplo movimento popular para a libertação de Angola, ou algo muito parecido. Como o Manifesto de 56 foi o guia de toda essa geração nacionalista urbana e acabou sendo o guia do próprio MPLA durante muitos anos (ainda podia ser hoje...), acabaram aproveitando a frase, que exprimia as ânsias dos nacionalistas de esquerda, para criar a sigla - o que acho muito provável. E, precisando de uma sigla para se fazerem representar, frente à UPA/FNLA, Mário Pinto de Andrade e seus amigos criaram o MPLA e começaram a assinar comunicados em nome do 'amplo movimento' - na altura constituído por um grupo restrito. No entanto, em Angola, Rosa Cruz e Silva chefiou uma equipa que (re)escreveu a estória do MPLA, oficial. Ficou muito bonita graficamente. Em Benguela distribuíram-na como quem desse um presente raro. Raro e valioso. Foi dado a pessoas distintas no poder e no partido. Todos se orgulhavam de a ter em casa e, de forma geral, a não lêem. Fazem bem, porque está cheia de imprecisões, lacunas ou mesmo mentiras. Apesar de todos estes dados e de não haver grande prejuízo em assumir a verdade, a formosa historiadora fez com que se mantivesse uma antiga 'verdade' oficial, a da criação do Partido em 1956 - coisa em que já ninguém acredita. Na 6.ª F.ª passada foi à homenagem a Mário Pinto de Andrade feita na Universidade Lusíada de Angola. E reafirmou tudo apesar das evidências em contrário. O público (maioritariamente estudantil) ficou estupefacto, percebendo que não podia confiar na sua ministra. Eu confesso que não me admirei muito.

recargas

21/08/2009

cavaleiro andante

homenagem a uma cultura desconhecida

Sofismas neo-nativistas



Por exemplo: não há culturas mestiças porque não há culturas puras. Mas só quem fala em culturas e raças puras são os neonativistas. Porque é que intelectuais como Luís Kandjimbo afirmam repetidamente que é preciso expurgar a cultura angolana da lama da crioulidade? Porque é que defendem a limpeza cultural e étnica da literatura angolana? Resposta ao sofisma: dificilmente haverá culturas puras, logo só há culturas que se misturam e remisturam indefinidamente no tempo e no espaço. 


Confundem os neonativistas haver culturas puras com haver culturas com perfil próprio ainda que mutante. Se há culturas com perfil próprio, sempre que alguém junta coisas de duas (ou mais) cria um novo perfil, eventualmente uma nova cultura, que só pode ser definida como híbrida, misturada, portanto mestiça. Quando o seu perfil estiver definido ela se misturará com outras naturalmente. O mesmo para as raças. Luís Kandjimbo, que pretende reduzir a produção cultural angolana à fixação de uma matriz banto (que ele próprio nunca definiu), e que fala sempre na cultura e nas culturas negras, diz agora que não há raças (eu concordo), mas para negar que haja mestiços, porque todos somos mestiços. Nesse caso, que sentido faz falar de 'negros'? Se 'negros' é uma construção social errada, sem base científica, faz sentido desfazê-la e denunciá-la em vez de a manipularmos também. 

Sem dúvida que, se não todos, pelo menos a maioria esmagadora integrou misturas biológicas e culturais (alguns poucos povos se isolaram durante séculos, isso foi 'depurando a raça'?). Mas, como para as culturas, assim também para definições de cariz físico e biológico há perfis, semelhanças de família como diria Wittgenstein. Sem dúvida que não são eternos mas, enquanto duram, ajudam-nos a identificar origens diversas entradas numa nova totalidade. E, quando alguém nasce de pessoas com origens diferentes (caso extremo e hoje comum: de continentes diferentes), diz-se por isso que tal pessoa é mestiça. 

 Afirmam alguns neonativistas que só se deve levar em conta as culturas africanas 'autóctones', 'negras', enfim puras, porque foi nelas que nasceu e se deu claramente a luta contra o colonialismo, enquanto nas zonas crioulas, ou entre os que se não assumiram como 'negros', 'tradicionais', enfim bantos, houve sempre ambiguidades. É mentira: basta ver quantos não-bantos, ou mestiços de bantos e não-bantos, decididamente lutaram contra o colonialismo português em Angola. Inseridos nos conjuntos percentuais das respetivas populações, a participação desses angolanos na luta de libertação não os desonra de maneira nenhuma. Basta lembrar a tais neonativistas que o cónego Manuel das Neves era um exemplo típico de crioulo, do que nós (eu, José Carlos Venâncio, M. António) cada um à sua maneira definimos como crioulo. Resposta ao sofisma: quem lutou pela independência foi porque se tornou angolano, se sentiu e se identificou como angolano. A partir desse momento aceitou participar de uma nova totalidade que superava as definições (os perfis) anteriores. Por esse motivo encontramos, na luta de libertação, filhos de bantos e de não-bantos misturados e juntos. Todos formam hoje a nação angolana. Há mais equívocos mas estou farto de perder tempo com os equívocos neonativistas.

Ciao.