Publicação em destaque

Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

10/10/2025

A humanidade é uma espécie

de luz húmida


 

e se, entre tanto,


a pluma voasse 
 

O prédio que esconde o rio


É comum, e faz um sentido orgânico, as ruas das cidades elevadas descerem, por linhas tortas ou diretas, para o rio ou para o mar, entre prédios de alturas médias ou baixas, os telhados em escadinha conformes às colinas . Isso nota-se bem no Porto, se olharmos a parte mais antiga e tradicional do burgo. 

Somos da água, somos água, procuramos água, não vivemos sem ela nem sem a correnteza que leva ao oceano e a das marés. Nas cidades com rio, com mar, o porto era fundamental. Por ali chegavam as novidades, parte da alimentação, também os perigos (que se viam do alto), mas os contatos, o comércio, o escoamento dos produtos, a exportação cultural, a importação de contrastes. A cidade organizava-se, muito, em razão de porto. 

Também é comum a imagem que fazemos do nacionalismo salazarista como protetor do património, principalmente do património histórico, arquitetónico, trazendo-lhe por acrescento um modernismo esquemático, de ângulos e retângulos definidos, algo barroco na sua mecânica repetição, musicada pelas obras de Bach - mas aí com fugas. 

É uma falsa visão. O salazarismo sacrificou muito património histórico português. Deitou abaixo edifícios antigos recuperáveis e com significado histórico para, no lugar deles, impor a arquitetura do regime, assim como um novo-rico, por exemplo, compra um salão de chá do século XIX para montar no centro de uma cidade um serviço de hamburgueres e destruir o património mostrando o seu poder económico esmagador. Em nome de uma ideologia, ou em nome da afirmação pessoal, o resultado é o mesmo e, se os fins nem sempre justificam os meios, a consequência do que fazemos patenteia caráter, cariz e intenção. Por isso, como me ensinou algum avô, as pessoas medem-se pela maneira como agem e pelos resultados do que fazem. 

Tudo isto me ocorreu porque aquele prédio ao fundo corta a rua, fecha a praça, tapa a visão do rio, que em certos pontos é a ligação direta e constante da alta com a baixa. A traça é típica do século XX salazarista. A época de construção coincide. E hoje a cidade continua a destruir o seu património arquitetónico e natural, a fechar os horizontes visuais, a encher-se de poluição visual, em nome de um dinheiro reles porque desnecessário que seja tanto, mas rápido, para encher os olhos gulosos. Depois? Quem vem depois que resolva, né?, se eu fosse a pensar nisso morria de fome, etc.

Por acaso, vai no Domingo o povo escolher os seus presidentes de Câmara em Portugal, ao contrário do que sucede em países onde as eleições autárquicas emperram porque o regime tem dificuldade em controlar os resultados em tais pormenores. Os que votam, votam em consciência? Não. Votam pensando nas perdas e ganhos imediatos para um bolso ressequido por uma governação nacional apostada em tirar do erário público os benefícios sociais para redistribuir ao setor privado, cuja função é a de empreender e gerar dinheiro, não de sugar o erário público. Se alguém pode alugar uns quartos, aluga e, portanto, ninguém mexa nas rendas, muito menos alguém decida fiscalizar as que são feitas sem contrato, às centenas. Se, pelo contrário, pais pagam preços exorbitantes para alojarem os filhos deslocados que tentam conseguir uma licenciatura numa universidade pública, votam para que se fiscalize e se reduzam as rendas. Alguns estudantes continuarão a desistir por falta de recursos. Algumas empresas gulosas e com dinheiro continuarão a fechar a vista para as águas, o rio, o mar - e os partidos continuarão a receber dinheiro delas para lhes sustentar o poder. Os que dormem na rua - a maioria fala português e é portuguesa - continuarão a dormir na rua, sem eira nem beira. E lembrar que se destrói a natureza é um atentado contra a saúde económica da autarquia e do país, um atraso de vida, uma parvoíce. Disfarça-se, assobia-se para o lado, se fazem barulho dá-se-lhes qualquer coisa e eles calam-se, não tem mas é dinheiro, não é?

No meio disto, nem pode haver um fecho com chave de ouro. Nem de prata. Nem de bronze. Só chaves de cobres. A essa irresponsabilidade geral chamam democracia. Pelos menos há liberdade para denunciá-la. Inutilmente, por enquanto. E para valorizar o único valor que ela ainda respeita: a liberdade.



 

04/10/2025

Capela


- do latim capa. A liberdade absoluta não resulta de nenhuma necessidade. Mas também não proíbe as emanações que, da terra, juntam as capas de medo e cómodo e egoísmo para se aproximarem das nuvens. O tempo as desfaz


 

02/10/2025

Porém ao artista não lhe interessam


as ondas, a espuma branca, o mar verdazul, as pedras-areias, as marés. Interessa-lhe a estrutura, o esquema, interessam-lhe as formas puras que fariam da realidade uma pintura abstrata. E lhe importa isso porque passa por aí a comunicação, ou a projeção, de sugestões íntimas que a realidade permite e a verdade colhe. Apanhada a 'coisa' e a 'causa', é por aí também que o fotógrafo nos fala do que viu, não viu, entreviu, previu, nos fala da sugestão por ele recolhida. E você está a ver a sua ponte com a verdade e com a realidade. Nela se constrói, neste momento, a sua imagem de si. Nela se define quem está aqui.


 

Nenhuma brisa naufragava

na verde nervura da colina.
Nesse alvorecer 
o mundo era um verso equilibrado.