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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

30/04/2025

O que interessa à arte


é a visão mais íntima, a primeira, mais próxima da sincronia do espanto - e a harmonização do espanto, não pelo olhar frágil e fatídico de Orfeu para Eurídice depois do milagre, mas pelo deslumbre, quer seja dolorosa ou não seja a descoberta. A convicção pelo deslumbre, seja ele um soco ou a explosão de uma estrela, é que determina a obra de arte e orienta o processo artístico nas suas articulações todas. A verdade, neste caso e critério, não coincide com a realidade. A verdade é o que leva à criação.

Daí que Truffaut diga "que ao longo de toda a nossa vida, nos tornamos pessoas diferentes e sucessivas, sendo isso que torna tão estranhos os livros de memórias."

A arte é um amor viandante. "Ao respirar, o tempo conspira"

(em comversa, por ele desconhecida, com Pedro Martins sobre a filmografia marrana de Truffaut. Livro a sair: Israel, minha vaga estrela, por Pedro Martins, na Zéfiro)






 

Moer o vento

no cimo da noite


 

28/04/2025

Não conseguimos olhar




os lírios do campo, como se erguem, vivem, criam, morrem - "crescem; não trabalham nem fiam". Por isso esquadrinhámos o espaço. No começo, era só para nos protegermos melhor. Porém ficou, desse medo, algo muito nosso, muito humano, que nem sempre conseguimos expressar mas nos traz 'a alma' de uma cidade, com sua história, sua maneira de enquadrar o vazio por linhas retas e cruzadas, que vê cada um com lentes próprias. Alongava-se dos dias anteriores um timbre pardacento, mas, excecionalmente, não naquele instante. Por nenhuma razão excecional. Apenas assim - diriam os lírios do campo.



 

27/04/2025

Se a percepção exterior




[...] provoca em nós processos que a desenham em linhas gerais, nossa memória dirige à percepção recebida, por semelhança, antigas imagens cujo esboço já foi traçado e guardámos. Ela cria assim pela segunda vez a percepção presente, ou melhor, duplica essa percepção ao lhe devolver, seja sua própria imagem, seja uma imagem-lembrança do mesmo tipo.

Isto foi escrito por Henri (Henrique) Bergson (o filho da montanha), que deve ter visto lá do alto o sol a erguer-se, com ascendência judaica e sobrenome de origem médio-germânica. 

É surpreendente, para um leigo como eu (alguém que não sabe mas colhe), que a neurobiologia venha confirmar e precisar isto mesmo no século XXI. Essa afirmação bergsoniana, para a teoria da arte ou da leitura, é a base de tudo quanto se possa dizer dentro de tudo quanto se possa constatar em ciência. O primeiro movimento é o da primeira criação: abertura à perceção (que também pode vir de sensores atentos aos órgãos internos do corpo), espanto, visão primeira, que não conseguiremos nunca definir em palavras mas, por iss mesmo, tentamos exprimir, atingindo uma formulação nova. O segundo movimento é hoje popularmente conhecido em certos meios como de feed-back, ou seja, recuperar do espanto a partir das imagens evocadas pelas imagens percebidas imediatamente. O primeiro movimento agita o fundo de representações disposicionais (para usar o conceito desenvolvido por António Damásio), levando à primeira geração do novo, que alguns chamam de insight. O segundo movimento articula a novidade com  passado, as expetativas da receção, a história da humanidade e da arte. O primeiro movimento, para simplificar, é criador, na medida em que provoca uma reorganização do guardado; o segundo é coletor. O primeiro suporta a invenção, o segundo a leitura, seja a primeira leitura feita pelo criativo sobre a novidade, sejam as últimas feitas por seus leitores a cada instante, em qualquer parte do mundo e da história. Aí temos a teoria da criatividade e a estética da receção. Aí temos tudo o que há de fundamentalmente novo e tudo o que se colhe condicionalmente lendo, manipulando, escolhendo por partes. 

A afirmação de Bergson, corroborada pela neurobiologia, traz em seu bojo toda uma teoria da literatura. O que parece não estar aí convocado, expresso, é o que não se diz e o indizível, por definição, não falta.


 

24/04/2025

Nenhuma identidade nacional


ou partidária se define como 'alma' ou 'essência' da pessoa. A pessoa é própria e intransmissível. Além dela, vê-se o mundo. O que somos só nós sabemos (e não de tudo). Eu, por mim, prefiro ser mais o que vejo, mas nunca me dispenso nem me ignoro.