Como é fácil de verificar, o poema retorna sempre à descrição da
fotografia, que fixa o irrepetível e por isso guia, segura, a sugestão lírica.
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30/11/2020
29/11/2020
Poema semiótico
]...[ no es el lenguaje el que precede al texto, sino el texto el que precede al lenguaje.
(I. Lotman - La semiosfera)
28/11/2020
26/11/2020
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25/11/2020
Esquecidos e ausentes - o senhor Paes de Sousa
Provavelmente vocês não conheceram o Paes de Sousa. Sim, o António Paes de Sousa, esse mesmo, o falecido. Nunca o vi também, mas ainda me falaram muito dessa personagem )os velhos(.
Veio para Benguela ninguém sabe muito bem de onde, jovem, bem parecido, um tanto vaidoso )defeito que não diminuiu com a vida na cidade, pelo contrário(, estatura média, magro e tez um bocadinho morena. Tinha uma curiosa característica: vestia sempre camisa de manga comprida. Quando nos falava, cerimonioso como os vincos da camisa, olhava perscrutando, como se estivesse a testar as perspetivas. Inclinava por vezes a cabeça ligeiramente para um lado, depois para outro, enquanto fixava os nossos olhos, como se quisesse experimentar uma entrada de luz pelos cantos e vislumbrar o que estava lá dentro. Mas fazia aquilo sorrindo, falando com voz calma, com simpatia, com segurança ao mesmo tempo. As senhoras gostavam muito dele e faziam com que os maridos pagassem bem pelos retratos, excelentes e luminosos, dos seus rostos levemente retocados no laboratório do sr. Paes.
Dizia que tinha uma pele frágil e precisava protegê-la do sol, razão pela qual usava sempre calça )mesmo junto às ondas( e as tais mangas compridas, com botões que pareciam de marfim. Por vezes protegia-se debaixo da sombrinha de alguma respeitável dama e caminhavam juntos na rua da praia morena, ele passava a segurar a sombrinha e ela lhe dava, discretamente, o braço. Mas era o sol que animava os seus dias.
Quando veio trazia já uma máquina fotográfica e muitos "apetrechos". Assegurava ser a última novidade de Londres )não sei porque falava em Londres, terra tão cinzenta e nublada(. Instalou-se, também, como fotógrafo, via-se logo, né? Tinha uma pequena mas luminosa loja na rua do Mercado, bem central, portanto. Ao contrário das nossas paredes coloridas, a loja do Paes de Sousa era toda branca, só branca, por fora e por dentro e tinha uma janela grande, alta, sempre aberta. Rapidamente se tornou dos mais requisitados retratistas para a vida social da cidade, que os tinha escassos - mas as rivalidades ela as mantinha sempre de forma cordata, como, de resto, a 'outra parte'.
Apesar dos retratos de sucesso, que um pequeno acrescento de brilho aviva ainda mais, onde gostava mesmo de fotografar era para aqueles lados hoje do parque de campismo, quem vai para os Navegantes. O pouco dinheiro que arrecadava )a vaidade é cara( investiu em compra de terrenos ali, de um e de outro lado do rio seco e ninguém nunca percebia porquê. Não fez nada lá, só uma barraquinha de pau a pique, imaginem, um quase dandy daqueles, cultor dos fatos de linho branco e dos chapéus brancos e de sapatos claros, contentava-se com uma cabana nos seus terrenos, uma cubata, mesmo. O chão é que estava impecavelmente limpo, varrido, sempre que ele ia para lá. Saía para tirar os retratos ao mar e ao horizonte, regressava depois à cabana e ficava olhando as fotografias que tinha tirado nos dias anteriores, alternando com um relance de olhos para o mar. Aos poucos foi detalhando as ínfimas e grandes variações das ondas, em brilhos formas e cores )que pena, dizia, de si para consigo, pena as cores ainda não serem tão fiéis nas fotografias(. Depois voltava à praia e tirava mais retratos aos perfis das ondas e também aos das nuvens, à linha fiel do horizonte que, no quarto escuro da loja, fechado por uma cortina preta por trás do balcão, sublinhava subtilmente reforçando o traço de luz que a distinguia.
De quando em quando, a jovem mulher que lhe varria o chão trazia-lhe uma fruta fresca, limpíssima e enchia-lhe a moringa de água. Não sei onde ia buscá-la naquela terra de pele escamada pela secura. Sempre lhe pagava sem troco, um gesto de mão indicando que ela não devia retrucar, apenas aceitar o que lhe dava a mais. Ela ria, contente, olhava-o com uma rara ternura brincalhona e dizia: "meu branco!" )não, isto não significava ser ele branco, assim de pele tão clara quanto a minha, indiano talvez(. Depois saía saltitando e cantando como se fosse uma criança, enquanto ele voltava a olhar as fotos alternando com as miradas para o horizonte.
Um dia morreu. Como toda a gente. Pedira à jovem mulher uma esteira e deixara-a na cabana. Na manhã em que regressou tirou uma última foto, voltando a sentar-se lá dentro. Estranhamente, vinha sem as fotos anteriores. Apenas olhou, lá de dentro, o horizonte uma última vez. É possível que tenha murmurado qualquer coisa enquanto um ligeiro traço de satisfação lhe animava subtilmente o rosto. Uma brisa muito suave arejava a sombra. Impecavelmente vestido, deitou-se na esteira limpa e adormeceu virado para o Ocidente.
Corria o ano de 1900.
24/11/2020
Sediado em Benguela - ausentes e esquecidos
José Marques Ferreirinha era um negociante sediado em Benguela, que lá morreu solteiro no ano de 1898. A nostalgia de uma origem desconhecida parece tê-lo conduzido à busca pela imagem. Quando faleceu, deixou vários “objectos de photographias”, a máquina fotográfica, algumas
“oleographias” que lhe serviam de comparação, junto com “livros”.
Não sabemos qual a sua origem. Provavelmente nasceu do ventre materno.
23/11/2020
Esquecidos e ausentes
Pedro Martins da Paiva morreu na cidade de Benguela em 1873. Era natural da cidade, onde fez a vida profissional até chegar a Capitão de Porto - posto com que partiu para o tal oceano...
Deixou um espólio precioso: muitos livros, uma estante para música, um bandolim, duas flautas, uma rebeca - segundo o inventário de órfãos. E deixou-nos também uma máquina para tirar retratos.
Olhava constantemente o mar:
22/11/2020
21/11/2020
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