Publicação em destaque

Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

08/09/2009

decolagem na praia

muxima

Para os que não sabem, Nossa Senhora da Muxima é uma devoção angolana que leva todos os anos muitos peregrinos a uma vila e Igreja alta sobre o rio Kwanza, no município da Kissama, geralmente em Setembro (este ano foi em Agosto, não sei porquê). O templo é dedicado a Nossa Senhora da Conceição, de onde a palavra muxima fazer todo o sentido, uma vez que indica a sede dos afetos e sentimentos, vg. coração. A peregrinação à Muxima aumenta de número e de significado ano após ano. Começou por ser uma peregrinação espontânea e popular e continua sendo essencialmente isso. Ela tem um significado cultural e identitário forte, tornando-se mais um pilar da construção de consensos nacionais. São consensos que, no caso da religião, duram muitos anos, décadas, eventualmente séculos (e esta devoção começou mesmo há séculos, porque António de Oliveira Cadornega já fala dela no século XVII - recorde-se que a construção da Igreja data dos anos 40 desse século). A criação destes consensos define uma identidade integradora e por assim dizer natural. A par de outros sinais vai-se criando assim, por si, uma nação. As grandes nações (não é o mesmo que dizer os grandes países ou os grandes estados) são geralmente construídas em torno de consensos deste e de outros tipos. Daí que faça todo o sentido a construção de uma basílica no local, dando perfil arquitetónico à fé do povo e, pelo traço que terá, atirando para o futuro uma crença já antiga. O portal da Angop tem várias fotos interessantes do templo setecentista e mesmo de vista geral da zona.

07/09/2009

manuscrito telúrico

jjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjj

olha, não foi o que tu viste...

Intelectualidade e Mentira

Não é intelectual quem quer, é preciso também um conjunto de capacidades cognitivas e morais que, agregadas, fazem de nós intelectuais. Os que põem à frente de tudo o desejo de ser intelectuais, porque parece bem, porque lhes dá autoridade, prestígio, etc., notam-se logo porque forçam as coisas e, o mais grave, desde o início forçam a verdade a ser o que não é, melhor, a ser o que lhes der jeito a cada momento. Entram para as academias, universidades, institutos e começam por introduzir a mentira sob as mais diversas formas. Exponho algumas que pessoalmente pude comprovar, algumas vias usadas nas academias portuguesas para mentir (e falo das portuguesas porque as conheci melhor, trabalhando nelas mais de 20 anos): 1) escrever cartas anónimas caluniando colegas; 2) escrever cartas secretas intrigando colegas; 3) impedir colegas de falar em mesas-redondas ou debates pós-comunicação sob pretextos vários mas apenas por se prever que nos venham desmentir; 4) usar sofismas para dizer que a verdade não o é; 5) os mais toscos dizem diretamente ser mentira aquilo mesmo que estamos a ver, como o marido apanhado na cama com outra diz à mulher que "não é o que estás a pensar"; 6) dizer que não existe o que não conhecem; 7) dizer que leram livros que não leram e dar opiniões de cátedra sobre eles em conversas de corredor ou de café, por vezes mesmo em comunicações. Neste 'blog', diário fragmentado e conventual, não se mente. Apanham-se fragmentos do quotidiano que suscitam reflexões através da imagem ou da escrita e partilha-se (daí o conventual) a reflexão com os que nos visitam.

05/09/2009

caimbambo revisitado

batchi o que a áfrica não disse

Uma surpresa interessante o livro de estreia de Batchi, "pseudónimo literário de Basílio Tchindombe" como se diz na badana. O livro recebeu o prémio literário António Jacinto em 2008 e foi publicado pelo INALD com apoio do BPC. O autor nasceu no Huambo em 1979, mas vive desde um ano e meio no Lubango, sendo professor em Caconda. O título da obra é sugestivo: O que a África não disse... Em primeiro lugar estamos perante um narrador instigante, cuja obra deixa o leitor interessado do início ao fim. Para além disso vê-se que o autor domina bem, quer os aspetos históricos e antropológicos, quer as culturas em jogo (banto angolana e cristã europeia), quer as temáticas teológicas e filosóficas em que naturalmente envolve as personagens. Domina, ainda, a arte dos diálogos, que é a mais difícil numa narrativa. Efetivamente os diálogos nos parecem naturais, apesar do português antiquado (apropriado ao tempo da narração) e de umas poucas falhas nesse mesmo português antigo. Há raros momentos de inverosimilhança, no entanto ultrapassados e envolvidos por uma fina ironia. A par do português antigo e do português coloquial de hoje muitas falas são apresentadas em umbundo, com a respetiva tradução em português, comodamente, logo a seguir às frases, entre parêntesis, no corpo do texto. Tchindombe mostra ainda uma grande profundidade de análise, apesar da leitura redutora da homossexualidade, que no entanto ganha graça no contexto, e apesar da facilidade da leitura poder levar o incauto a pensar que aquilo é tudo fácil, portátil e banal. Não é nada disso. Habilmente o narrador guia a trama de maneira a que ela entrelace o cristianismo e a cultura banto sem que nenhum dos dois perca a sua verdade, mas denunciando o que havia em cada um deles de negativo (a intolerância e o dogmatismo do cristianismo europeu daqueles tempos iniciais da colonização de Benguela; a violência autoritária do sobado - que se converte no fim em sabedoria amorosa e cristã). Tudo retratado com seriedade mas sem o peso trágico dos grandes dramas da tradição clássica europeia, também sem a pesada metralha da literatura de combate, numa linguagem corrida e agradável ao ouvido, contando as coisas diretamente mas não secamente nem agressivamente. Outra originalidade: apesar de tudo a narrativa angolana está muito ancorada ainda em espaços urbanos, particularmente em Luanda. Esta centra-se no interior, com a chegada dos dois primeiros padres a Caconda, no tempo dos jagas. Em certos momentos parece que estamos a ver uma banda desenhada e, no entanto, sabiamente o autor lhe entrelaça uma trama filosófica geralmente ausente das bandas desenhadas e mesmo de muitas narrativas urbanas. Participa dessa riqueza reflexiva o retrato psicológico das personagens principais, que é também desenvolvido sem tornar a leitura penosa e está extremamente bem feito. A intriga é complexa, de uma inesperada solução que se vai no entanto insinuando em nós com o autor a manejar bem a sugestão de suspense. Enfim, com as fragilidades próprias de uma primeira obra, mas na verdade de pormenor e insignificantes, o que mais me importa agora sublinhar é que temos aqui um bom narrador e uma narrativa, como disse, instigante. Para lê-la é preciso despirmo-nos de simplismos, primarismos e contorcionismos. Com a sua audácia, o autor nos obriga também a sermos francos e com a sua argúcia nos obriga a uma leitura subtil. Está de parabéns, bem como o júri e o INALD.