Páginas
Páginas
30/11/2009
29/11/2009
27/11/2009
26/11/2009
24/11/2009
a ruga e a mão
23/11/2009
O problema da interpretação
Os que estão acostumados com estas questões, tão debatidas por críticos e teóricos das universidades euro-americanas, já foram buscar, a esta altura, à sua memória pessoal, todo o acervo de possíveis perguntas, de conceitos, termos, pressupostos em torno de «interpretação». Porém, desta vez, experimentemos algo de novo. Dispamo-nos disso por momentos para nos descondicionarmos. Eu quero falar da interpretação como sintoma do estado mental ou cultural de uma cidade por exemplo. Acontece em países como Angola (e convém que se fale deles conhecendo bem a sua história), nas suas cidades maiores sobretudo, que as pessoas não conseguem interpretar bem o que leem, por vezes até mesmo o que ouvem.
Uma das variáveis a controlar é, sem dúvida, linguística: língua-mãe do intérprete, sua primeira língua, língua veicular do intérprete, línguas que domina, etc. Agarrada a essa vem outra variável: a cultura. Qual a cultura de berço, qual a cultura por assim dizer veicular, etc. Então a resposta para o problema da interpretação, geralmente articulada com qualquer forma plástica de deconstrucionismo, é a de que a interferência da cultura 'ocidental' – e da língua que lhe anda associada – afeta o desempenho interpretativo das pessoas. O que venho postular é a possibilidade de isso não corresponder à situação real.
As culturas tradicionais e orais envolventes das maiores cidades angolanas alicerçam parte muito significativa da formação dos seus jovens em exercícios de sagacidade e analogia. Por isso recorrem aos provérbios, às adivinhas, às alegorias (nos contos), depois aos poemas cantados. Isso implica desenvolver precisamente a capacidade interpretativa. O que se passou com as populações urbanas – e mesmo com a maioria dos que vieram do 'mato' – foi uma rutura relativamente à formação tradicional. A par dessa rutura, não se deu a aquisição completa de uma nova cultura urbana e mais voltada para a escrita. De maneira que nos encontramos um 'estado mental' ou cultural atípico, voltado para soluções imediatas em resposta a problemas miúdos do dia-a-dia, em que tudo o resto é posto em suspenso. Neste momento de transição não se chega ainda a constituir uma nova síntese, pessoal ou coletiva, pensa-se e vive-se num hiato cultural e mental. Para superá-lo é preciso um grande esforço pessoal, sem dúvida, e evitar os dois maiores perigos: um, o mito do retorno ao passado; o outro, o mito da assimilação completa às sociedades mais desenvolvidas, mais aperfeiçoadas tecnicamente (e a técnica não anda sozinha). O mito do retorno ao passado foi já experimentado, por exemplo pelos românticos europeus para enfrentar a revolução industrial e outras, pelos brasileiros para enfrentar em parte os mesmos desafios globalizantes e os da independência recém-adquirida (refiro-me ao indianismo, claro). Apenas se criou mais uma artificialidade e mais uma tensão. Por tal motivo esses caminhos foram abandonados. A síntese inevitável dos mundos em rutura deu-se naturalmente a à margem dessas programações ideológicas e intelectuais. Felizmente também.
De maneira que o problema da interpretação nos coloca perante um problema mais vasto, se não mesmo mais sério. Que é o da ausência de referentes. O intérprete comum precisa de referentes, mas de referentes que possam guiá-lo no dia-a-dia. Os abstratos ficam para nós, académicos e pensadores. O que temos então de encontrar são exercícios que treinem de novo a destreza, sagacidade, capacidade analógica dos povos urbanizados em novos contextos e de tal forma que possam enfrentar, a partir daí, qualquer novo contexto. Para fazê-lo de forma prática, 'exata', 'neutra' (ou seja: que não provoque suscetibilidades nem caia em mera abstração), só temos uma 'arma' nas mãos: levar as pessoas a ver como os pequenos textos do quotidiano (frases, 'dizeres', 'bocas', alusões, brincadeiras de olhos verbais) como esses pequenos textos funcionam e, por consequência, mostrar que os interpretamos e como somos capazes de interpretá-los. Nesses quotidianos a interpretação, quando queremos, funciona (quando não queremos agarramo-nos propositadamente a referências que o outro não domina e, portanto, falsificamos a comunicação). Aí continuamos a fazer escolhas racionais e instrumentais que no entanto sustentam interpretações (v. Elster e a teoria das escolhas racionais). Ou seja: o problema da interpretação não existe aí, o que existe é um problema de deslocação dessa capacidade do quotidiano para o texto. As grandes dualidades abstratas e geométricas em que o deconstrucionismo cinicamente se baseia não resolvem esse problema. Que é do domínio da explicação (veja-se essa etimologia e depois continuamos. Agora tenho que ir dar uma aula).
22/11/2009
20/11/2009
19/11/2009
18/11/2009
17/11/2009
16/11/2009
irving kristol
15/11/2009
mário antónio até se revoltarem os escravos
Até se revoltarem os escravos. Até se rebentarem as comportas. Até sismos divinos, roncos cavos Da terra inquieta sob as pedras mortas Sacudirem a nossa quietação. Até que luas doidas sobre o mar Sejam sinal da Alucinação. Até se extinguir a gentileza Que mais nos liberta, nos corrompe. Até sermos capazes de amar, Até sermos capazes de morrer.
amélia dalomba ao novo jornal
13/11/2009
12/11/2009
11/11/2009
09/11/2009
gustavo costa na hor@gá
datas
nicolau saião viu o seu demónio
ATÉ AO FIM
Quando entrei na sala vi num relance que o meu demónio
estava deitado
A boca entreaberta, um resto de baba no queixo de quem
Dorme justamente como um anjo.
A janela pouco cerrada e o sofá chegado
à plena luz
A manta já antiga azul e amarela roçava o chão como se
Tivesse havido por ali discreta borracheira dominical.
Congeminei
Que ele antes de reentrar vindo do etéreo passara
por uma tasca ou que
aceitara a oferta toma lá dá cá de um qualquer maltrapilho
Cheio àquelas horas entradotas de uma modesta
fraternidade bebedora.
Olhando bem via-se-lhe contudo no rosto
uma vaga felicidade
Dizendo melhor uma centelha de contentamento
ou alegria, ou
assim como que a sensação de quem vira o mundo
no seu lugar real
Vamos a ver, no fundo a lonjura dominava
Como se visse o cavalheiro por uns binóculos ao contrário
Cheirava um pouco a flores e vagamente
a desodorizante
Um livro tombara no chão, ficara à espera
aberto anquilosado
Quando abri a porta da cozinha vi sobre
o fogão um tacho com
Uma iguaria qualquer com que se entretivera
certamente antes de cair no leito vencido
talvez pelas canseiras das últimas horas.
Se minha mãe estivesse viva decerto
lhe teria aplicado um raspanete
Uma expressão em dialecto se calhar
um tabefe levezinho. O meu pai
Poria na cara aquele sorriso suave dos dias sem idade
Lá fora estrepitavam ruídos da cidade barulhenta
Contos do dia e da noite, o irresistível
fascínio do desconhecido.
Sentei-me, a angústia apoderara-se de mim. Uma frase estranha
Revirava-se-me na cabeça.
Quando olhei pela janela o horizonte
pareceu-me uma linha ténue.
Mais tarde, pensei, falaríamos a preceito. Ou antes
por entre dentes eu diria talvez
coisas sobre a grande aurora ou então sobre a memória
Sibilina dos sobreviventes imutáveis.
alda lara testamento
À prostituta mais nova
E àquela virgem esquecida,
Este meu rosário antigo
E os livros, rosários meus
Esses, que são de esperança
Para que, na paz da hora,
Com passos feitos de lua
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...