Ao passar na velha livraria Lello de Benguela - que não é grande livraria, funciona mais como papelaria - comprei livros para reler, pois os exemplares que tenho estão neste momento longe. Dois deles me fizeram revisitar o que de melhor, ou menos pior, os autores empenhados dos anos 60 e 70 puderam fazer dentro dessa linha de engajamento da literatura.
O primeiro, que vai sem dúvida muito para além disso (da literatura engajada), é O rio: estórias de regresso, de Arlindo Barbeitos. Pequenas estórias, de gente comum, que podíamos ter visto no quotidiano logo anterior e logo posterior à independência, que traçam no conjunto um quadro humano, antropológico e psicológico muito profundo, que era o da Angola de então. E que, só por si, teriam levado leitores apressados e preconceituosos a compreender melhor o seu próprio país e as estórias de que ele se foi fazendo.
O segundo livro chama-se Poemas no tempo, de Arnaldo Santos. A secção com esse nome, dentro da obra, é a que mais reúne (principalmente no fim) poemas militantes. Não foi esse o momento melhor da poesia de Arnaldo Santos (como pela própria antologia se pode ver) mas, ainda assim, dá para perceber que um bom poeta não deixa de o ser por mais que seja má a escola literária que o condicione. Poderá deixar de produzir obras primas, mais profundas ou mais subtis, mas não deixa de ter o sentido da poesia. E o que, sobretudo, faltou naqueles anos do panfletarismo foi, precisamente, o sentido da poesia. Naqueles anos de panfletarismo em que se fazia fogo de artifício com palavras de ordem banalizadas, tal como hoje alguns poetas confundem lírica e verso com pirotecnia bizarra que, por uma via oposta, já não tem nada para dizer, esteticamente fal(h)ando. Isto leva-me ao corolário da conclusão anterior: um mau poeta, seja qual seja a sua escola literária, terá sempre a capacidade de estragá-la, de não a perceber, de a imitar sem o sentido da poesia.