É uma velha muito velha, uma velha de muitos anos.
Caminha devagar. As suas pernas são dois troncos cheios de varizes, descendo para as sandálias de borracha, que protegem os pés das pedras da calçada. Atira a perna esquerda para fora, talvez porque não sofre tanto quando o corpo grandalhão está assim, como aqueles barcos na praia, que depois da pescaria, cansados de navegar, sossegam na areia, de lado. Usa óculos; mas estes são velhos também, perderam as hastes e estão atados à cabeça por um elástico azul.
Passa sempre ao fim da tarde, quando o sol fenece na cidade e vai iluminar outras ruas, outras casas e outras gentes. Com um cuidado extremo, pára em cada cruzamento, espera o sinal verde do semáforo, avança depois até ao cruzamento seguinte.
No bairro onde vive desde miúda, todos a conhecem, todos a saúdam, todos lhe falam, mas ela não responde a ninguém. Não porque seja mal educada, porque esteja mal humorada, ou por outra razão deste género — mas porque gosta só de sorrir a toda a gente, a agradecer.
Termina a sua viagem quando chega à Gelataria. Entra e espera em frente do balcão.
O empregado conhece o pedido de cor. Ainda ela vem na porta, já ele levanta a tampa da máquina congeladora. Com um gesto profissional, leva a colher ao fundo da massa e traz daí uma bola bem cheirosa, de baunilha e chocolate.
Paga com uma nota que trouxe enrolada na mão. Dá meia volta e sai: com as mesmas cautelas de há pouco, ou maiores talvez, porque não quer perder a carga deliciosa.
Esse cuidado que põe em cada percurso, esse vício que satisfaz diariamente, esse ignorar as dores que sente com certeza, tudo isso prova como é bom viver, respirar o ar do mundo e buscar alguma coisa.