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Átomos estéticos são também cognitivos

  “Quando vemos algo além de nossas expectativas, pedaços locais de tecido cerebral geram pequenos ‘átomos’ de afeto positivo. A combinação ...

26/03/2025

22/03/2025

Camilo Castelo Branco, o amor e o cheiro:


Dizia Camilo Castelo Branco, autor muito lido numa Luanda de amores profícuos e consequentes, que lhe apreciava os sarcasmos e humores rasteiros e certeiros, além de muito bem dispostos: "Autores, embalados no berço da humanidade, falam da mulher, e provam que o amor, se não é mais velho, é pelo menos contemporâneo dos narizes." Um amigo meu, moçambicano, dizia que "o amor é o cheiro." Entretanto Camilo, nas vestes de outro e numa antecipação de Jorge Luís Borges (inventando autores e tradutores), cita Heródoto ao falar nos raptos de mulheres, para concluir que não vale a pena vingar os raptos que, se elas não quisessem, não eram raptadas. E conclui (essa primeira parte da sua crónica) dizendo que as tolices feitas por causa do amor (logo, por causa do cheiro, dos narizes, e do "primeiro casal de bichos"), hão de ser tão velhas que já com nenhuma se consegue ser original. Mesmo com Ana Plácido.

Dito o que, o ficcionista iconoclasta prático se vestiu de "Príncipe, costume bonito e original" e perturbou "a tranquilidade de muitas almas que ainda não acordaram ao arraiar do amor", passando a conseguir "admiráveis conversões de mulheres heréticas na religião do sentimentalismo, com o meu vestido de príncipe, que aluguei por 540 réis."


 

21/03/2025

Postal noturno com chuva


Ao fixar o instante, inscreve-se na imagem uma intemporalidade marcada pela ausência. 


 

17/03/2025

A capela


Cantar a capella, só voz(es). O ritmo cria, mesmo a capella, um percurso, com rumo definido e foco ao fundo. As vozes esculpem relevos de cor, ângulos especiais, portas e janelas. Ao fundo o foco. Isso é comum desde a pré-história: traços indicando um caminho e um destino. Por isso esta espécie de imagem tem sempre sucesso. 
 

Limites em pedra


(semióticas de fronteira, 
longínquas ondulações interiores)

 

15/03/2025

Poema


E há palavras pétreas como conchas
desfazendo-se na areia.
E há pedras que se movem como caranguejos
escondendo-se na areia.
E há quem se desfaça por inspiração
enterrando na areia o verso e a pretensão.

Depois, às vezes bem depois, é que nasce o poema.
Sem dizer nada, sem aviso, quase sem palavras.
Esquecido.



 

12/03/2025

A unidade na paisagem


"A unidade da coisa permanece misteriosa enquanto considerarmos suas diferentes qualidades (sua cor, seu sabor, por exemplo) como dados que pertencem aos mundos rigorosamente distintos da visão, do olfato, do tato etc. Porem a psicologia moderna, seguindo nesse aspecto as indicações de Goethe, observou justamente que cada uma dessas qualidades, longe de ser rigorosamente isolada, tem uma significação afetiva que a coloca em correspondencia com a dos outros sentidos."

(Merleau-Ponty, Conversas)


 

10/03/2025

O monumento é um traço

de referência. Posso nem saber quem é a figura estatuída, porém sei que lugar é esse ao ver a estátua. Isso torna o monumento importante: centro, foco, referência, localizador. O monumento é uma maiúscula na rede viária da cidade verbal. É natural que se aproveite para o tornar uma referência partidária, ideológica, nacional, internacionalista, pensando que assim vamos comandar as gerações rumo ao futuro definido. Brincadeiras para tolos. Quando lá passo, o que sei é que estou naquela praça e, portanto, sei por onde vou para chegar à Ribeira, que eu me revejo no cais, abaixo do homem que aponta, olho para o mar à direita e para o rio à esquerda, vejo as águas passar e sei porque estou aqui. A minha memória viva é o meu monumento de referência. Não por acaso (sem o saber?) a estátua me aponta o Cais e dela teço um 'pós-tal'.


 

02/03/2025

01/03/2025

Qualquer frase, qualquer palavra


reduz ou deforma o sentido, ou os sentidos, ou o acordo de sentidos intelectuais e das sugestões afetivas que a imagem comporta e sustenta. A nudez vale mais que a palavra.