Páginas
▼
Páginas
▼
31/12/2008
para que fomos feitos?
Nem para a terra nem para o céu
fomos feitos. Nem mesmo para ser lembrados.
No encontro entre a luz dos nossos olhos
e a imagem das coisas provisórias
consistem nossa noite e nosso dia.
Não tem preço e é inútil
aquilo por que suspiramos.
Mas também é inútil o que é perfeito
e não tem preço a sua perfeição.
Por fim não tem preço e é inútil
tudo que nos perde ou que nos salva.
Fomos feitos para além da vida
pequena e - porque pequena - anunciada.
Fomos feitos para o clamor do que não sabemos.
Para ouvir o som das flores - graças às abelhas -
no murmúrio e no anúncio do seu mel.
(Ângelo Monteiro, jesuíta beatnick e vice-deus; poema dedicado a Francisco Soares)
29/12/2008
28/12/2008
mortos e diferenças
Estamos um bocado cegos. Há, de certeza, 15 civis mortos nos bombardeamentos israelitas de hoje - até agora. Morrem porque vivem junto aos centros militares e policiais que o Hamas coloca, proposita e cobardemente, no meio da população. Entretanto houve um atentado suicida no Afeganistão: 16 civis mortos, dos quais 14 eram crianças. A imprensa, de forma geral, mostra crianças palestinas (duas até agora, mas acredito que venham a mostrar muitas mais) com pingas de sangue no rosto. Não se fala das 14 crianças afegãs assassinadas no atentado suicida. Não houve até agora nenhuma manifestação contra essa prática hedionda e cobarde voltada sobre civis. Até na morte somos injustos. E connosco próprios: encobrindo a iniquidade.
27/12/2008
26/12/2008
24/12/2008
23/12/2008
22/12/2008
21/12/2008
caetano de sousa
O dirigente da Comissão Nacional Eleitoral esteve profundamente comprometido com a fase mais repressiva do monopartidarismo, no fim dos anos 70. Talvez por isso tenha sido escolhido para o cargo em 2008. A equipa de observadores da UE, chefiada por Luísa Morgantini, concluiu agora o seu relatório. Aponta muitos casos concretos que indiciam uma falsificação das eleições em larga escala (incluindo taxas de participação de 108%!), dando portanto razão às denúncias da UNITA, da FPD e de outros partidos oposicionistas. Desmascarado, o repressor respondeu dizendo que o relatório estava fora de prazo, devia ter sido entregue logo e, como foi terminado só agora, não merece comentários. Perante isto, jornalistas facciosos como Luís Fernando, que O País pôs à frente das suas isentas páginas, ainda continuam a afirmar que a fraude não existiu, que a votação foi tão expressiva que falar em fraude não faz sentido. Estamos no reino da impunidade, não haja dúvidas. E estes senhores é que estão fora do prazo, porque não se constrói nenhuma democracia com mentalidades destas.
3 notícias de Angola
O Ministério da Família e da Promoção da Mulher promoveu um estudo que chegou à conclusão de que "parte das famílias angolanas vive de restos". O estudo parece que se resumiu aos frequentadores do Roque Santeiro, e é pena. Mas o próprio Ministério reconhecer o problema, ainda que metonimicamente, é já um avanço. Pode ser que agora, e com as pressões que tem havido no sentido de democratizar os benefícios do desenvolvimento, pode ser que o governo tome decisões e as concretize para minorar a fome no país.
Segunda notícia: o político oposicionista Carlos Leitão partirá para o Brasil (São Paulo) para se tratar. A prisão ficou, por agora, ultrapassada. Por seu turno a UNITA demonstrou uma solidariedade pública e efectiva a Carlos Leitão - a oposição começa a acordar?
Terceira notícia: vai finalmente começar a recuperação do Aeroporto 4 de Fevereiro em Luanda e vão recomeçar também as obras do novo aeroporto, a 40 km da capital. As empresas envolvidas são a Somague (Portugal) e a Odebrecht (Brasil)...
20/12/2008
o conspirador
Uma excelente surpresa o livro de Jaime Nogueira Pinto, Jogos Africanos. Por muitos motivos: em primeiro lugar a narração vai seguindo a par de referências literárias e cinematográficas enquanto nos conta episódios e peripécias como se fossem parte de um filme de espionagem ou coisa parecida. É coincidente com a actuação do autor-protagonista esta encenação constante, para além disso cria suspense e aumenta a adesão do leitor, a concentração na leitura. Ainda neste campo (da arte literária) o discurso é escorreito, fluente, próprio de um bom conversador.
Não sei se por causa da percepção tipo filme de espionagem, por vezes são-nos dados pormenores que é estranho estarem ali, como por exemplo quando se diz a escada, mais ou menos os degraus, se depois se virou à esquerda ou à direita, quantas portas se passou até entrar no gabinete, a descrição pormenorizada do gabinete e da posição em que nos recebem, etc. Isso contribui para o fílmico do livro mas parece também contribuir para a verossimilhança, para nos provar que realmente o autor esteve ali, que nos está a contar a verdade.
Surpreende também agradavelmente a sinceridade, a franqueza com que assumiu e assume ali as suas opções políticas. Outro ponto positivo: a correcta nomeação da 'guerra de independência' ou da 'guerra d'África' conforme a perspectiva em que se coloca.
Nota-se a sua atracção por personalidades fortes e a condescendência para com regimes autoritários africanos (não colhe, a meu ver, o argumento de serem estados novos - isso cria uma tendência, vê-se, mas não uma fatalidade).
É também muito interessante o desfile de informações que nos dá, vindas do 'outro lado' (o da UNITA, da África do Sul, dos EUA, dos neo-conservadores) e perda de mágica ou magia que leva os seus aliados a afastarem-se de Savimbi depois da morte de Tito Chingunji e de Wilson Santos. Interessante, aliás, a investigação que o autor faz sobre essas mortes. Interessante ainda como ele explica o desastre eleitoral da UNITA e os traços da personalidade de Savimbi que vão depois (quando se afasta de conselheiros independentes) contribuir para a rápida queda.
Enfim, vale a pena ler e está à venda em Angola.
19/12/2008
ângelo monteiro: o suplício do duende
"No meu coração ressoam árvores
Ignoradas da Terra. E entre seus ramos
Dispersa o Duende a lâmpada dos olhos:
Na insónia cuja chama não se apaga.
Não conto com as raízes dizimáveis
Das árvores da Terra. Mas com as árvores
Que fincadas mais fundo têm a garra
De latejar sem trégua no meu sangue.
Não cessa de arrastar-me em seus clamores
O Duende insone sob a sombra delas:
O Duende de corpo lancinante
E a alma perdida nas canções da Terra."
(Todas as coisas têm língua: seleção poética, Recife, CEPE, 2008, p. 266)
18/12/2008
Leitão preso para assar
Carlos Leitão foi um dos mais activos dirigentes da oposição civil angolana, à frente do PADEPA. Depois de fortes divergências internas, um dos seus companheiros tomou o partido e chegou a disparar sobre Carlos Leitão, no ano passado, frente à respectiva sede. Estranhamente, a polícia não prendeu o atirador nem averiguou nada. Antes das eleições o Tribunal Constitucional reconheceu a liderança do seu rival e a participação do PADEPA nas eleições redundou num fracasso total - esteve praticamente inactivo e, portanto, não recebeu votos nenhuns. Carlos Leitão, que sempre foi o rosto do partido, ficou 'constitucionalmente' de fora e apelou ao voto na UNITA, chegando mesmo a colocar apoiantes seus a distribuir propaganda dos 'maninhos'. Houve escaramuças com a polícia em Luanda por causa disso. Agora, baseando-se numa queixa apresentada pelo seu rival, em que diz que ele falsificou os documentos do partido e abusou do seu poder enquando líder, a polícia, sem mandato de captura e quando Carlos Leitão se preparava para sair do país por questões de saúde, prendeu-o. O seu advogado tenta o 'habeas corpus', alega a ilegalidade da prisão, bem como o facto de o seu constituinte ter problemas cardio-vasculares muito graves (está, aliás, preso no Hospital Militar Principal em Luanda, pois sofreu um ataque logo após a prisão). Nada adiantou até hoje. Carlos Leitão continua preso. Estes episódios somam-se a outros, como a perseguição (ora 'afável', ora violenta) aos militantes do PRS na Lunda, a citação dos irmãos Pinto de Andrade para irem à sede do MPLA justificar o seu afastamento político-partidário (apesar de, pelo menos um deles, há muito já não pertencer ao partido, tendo-se filiado noutro e declarado tudo publicamente), o aliciamento constante de militantes da oposição para se mudarem para o MPLA, com promessas de melhoria de vida, de cargos, etc.. Fica difícil não acreditarmos que o partido maioritário tem um plano para se tornar, na prática, o único. Disfarçadamente ou não, o facto é que os partidos e dirigentes que mais incomodam vão sendo perseguidos. Hoje uma coisa, amanhã outra, dá-se a desculpa esfarrapada do excesso de zelo de alguns militantes e policiais, diz-se que não há plano nenhum, depois de tudo adormecer um bocado faz-se outra patifaria contra a oposição. É assim que se entende a liberdade aqui: somos livres de dar cabo dos outros. No entanto, perante isto tudo, a restante oposição ainda não se manifestou. Depois queixam-se...
16/12/2008
13/12/2008
a praga
Há uma relação nuclear entre este conhecido conto de Óscar Ribas («A Praga») e A feira dos assombrados do José Eduardo Agualusa. Também com A dívida da peixeira, de Jacinto de Lemos, ficcionista que começa a publicar no mesmo ano de Agualusa. O lastro deixado pela obra de Ribas na literatura angolana é, hoje ainda, um ilustre e enorme desconhecido.
12/12/2008
11/12/2008
serpente emplumada
"Quem não se instalar no limiar do instante, esquecendo todos os passados, quem não é capaz de manter-se sobre um ponto como uma deusa da vitória, sem vertigem e sem medo, nunca saberá o que seja a felicidade e, pior ainda, jamais fará algo que torne os outros felizes..."
José Marinho, Teoria do ser e da verdade (v. serpente emplumada).
Há em José Marinho muitas passagens destas, que fazem lembrar outras de Krishnamurti.
10/12/2008
cadeiras espermáticas
08/12/2008
07/12/2008
franz kafka
Muitas sombras de gente já falecida ocupam-se somente em lamber as ondas
do rio dos mortos, porque ele se origina de nós e conserva o gosto salgado de
nossos mares. Então o rio, tomado de nojo, cria uma corrente contrária e empurra
os mortos novamente à vida. Daí eles ficam felizes, entoam canções de
agradecimento e acariciam o rio rebelde.
05/12/2008
...dos últimos dias
O mistério é sempre perigoso.
A proliferação de magos e adivinhos no tempo do racionalismo
É um grande mistério.
A proliferação de igrejas e de santos no tempo do roubo
É talvez um baptistério.
anoitesser
Era a noite. Iam
As sombras a comer
Os esquivos caminhos
E as chimeras loquazes...
Ainda vinhos de luz
Ardiam deste lado
Do orizonte, Senhora, a desser
E agora transido,
Em cena, espera e ora
Com os ossos do passado:
A Verdade principia
Pelo que em nós
Podia ter sido.
(de As trevas e os dias)
ponte
Foi inaugurada a ponte (metálica) sobre o rio Limbuata, eixo rodoviário que liga a sede municipal do Caimbambo à comuna da Canhamela, na província de Benguela. A ponte foi realizada em dois meses, tempo considerado recorde. Embora o projecto viesse de antes, como tantos outros, a sua rápida e eficaz resolução faz crescer nos benguelenses, desconfiados ainda, alguma esperança no destino da província.
Por outro lado o novo governador parece ver com simpatia a multiplicação de mini-hídricas para resolver localmente as necessidades de energia eléctrica. Dadas as características do interior da província, parece uma solução (entre outras anteriormente aventadas) ecologicamente aconselhável e também eficaz.
Veremos mas, para já, continua no mínimo o benefício da dúvida.
04/12/2008
03/12/2008
tão constitucional!
O constitucionalista Adérito Correia acha normal que, antes da eleição para a Presidência, seja mudada a Constituição do país. A 'normalidade' vem de não se poder eleger o Presidente com um figurino e depois, logo a seguir, mudar esse figurino. A. C. diz que há legitimidade igual em ele ser eleito pelo parlamento ou directamente (lembro-me da campanha das 'directas já' no Brasil, uma bandeira do fim da ditadura militar). Tudo bem. Também concordo com o modelo presidencial e acho que o eleito será o mesmo, mas não é o mesmo ser eleito por sufrágio directo ou num parlamento onde o partido maioritário detém 81 vírgula tal por cento. Se os deputados disputam a eleição directa, o Presidente deve fazê-lo também - até para sabermos que percentagem da população se arrependeu já do voto no MPLA e para darmos lugar à diversidade na escolha.
O problema está nisto: se não é correcto eleger um presidente e logo a seguir mudar a Constituição, será correcto eleger um parlamento sem avisar a população de que a nova assembleia se destina a mudar a Constituição? Será correcto, em função das legislativas (que não foram constituintes), escolher e nomear um governo que, antes de um ano, terá de ser reformulado para o novo figurino presidencialista?
Não nos esqueçamos do mote da campanha: servir o povo melhor, fazer as coisas funcionar, incrementar o desenvolvimento e os projectos sociais. Para convencer o povo se asfaltaram as ruas à pressa, se deu aquela aparência de que íamos caminhar a passos largos para uma superior qualidade de vida. Mas ninguém nos disse que, afinal, logo a seguir, iam mudar a Constituição em aspectos tão fundamentais quanto a eleição do presidente e o cariz do regime (presidencialista, parlamentar ou semi-presidencial como é agora).
Isto é o que se pode chamar um golpe de estado 'jurídico'.
02/12/2008
multipress - angonotícias
O Partido de Renovação Social (PRS) acusa o partido no poder, MPLA, de estar a perseguir os seus membros com actos de intimidações, aliciamento e chantagem com finalidade de estrangular as acções desta força política.
Estas acções, segundo adiantou o secretário executivo do partido Joaquim Nafoia, têm sido registadas com frequência na província da Lunda-Norte, região em que esta força política na oposição ostenta grande popularidade.