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orhan pamuk, a vida nova
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08/04/2008
lápide
Do fundo negro dos dias
Disse-te raras palavras.
Tive poucas alegrias,
Mas eram menos ainda
Aquelas que tu escutavas.
Por serem assim de berço
E poucas, estendi-as
Ao silêncio, que escrevo,
Como o sol, no chão breve,
A púrpura dos dias.
07/04/2008
04/04/2008
aceno com seus cantos de cigarras
companheiros e camaradas
Companhia forma-se a partir de companha, a qual tem já origem no latim. No latim, compania é um grupo de pessoas que comem juntas o mesmo pão; o companio[1] é aquele com quem se reparte o pão. O gótico germânico tinha uma formação semanticamente igual: gahlaiba, formado de ga (com) e hlaiba (pão)[2]. Citando Nascentes, o dicionário Houaiss esclarece que o sentido se generalizou daí para o que hoje usamos, e usávamos já no século XIX e antes, pois a palavra companha e a palavra companhia entram já direccionadas para tais significados no século XIII e no seguinte, em Portugal e por aí na futura lusofonia.
O profundo sentido de companhia é portanto o de partilha, da comunhão pelo pão, supõe-se que num mesmo espaço, mas a filologia da palavra não nos indica isso. É a solidariedade, se quisermos usar uma palavra gasta mas contemporânea. Aqueles que partilham o mesmo alimento fundamental são os companheiros. Os camaradas não. Os camaradas encontram-se para dormir, partilham o mesmo sono. Os soldados, por exemplo, que dormem na mesma camarata, são propriamente camaradas, em rigor não de armas, mas por conventualizarem o sono. Uma vez que o fazem por serem militares, criou-se a expressão ‘camaradas de armas’. Mas o nome vem de dormirem no mesmo espaço, ícone de um templo. Uma vez que partilhavam a sua existência durante algum tempo e no mesmo espaço, passou a palavra a dizer também ‘companheiro’, pelo menos desde 1592[3]. Na verdade o companheiro tanto é o que está no mesmo espaço quanto aquele que vai connosco de um para outro lugar. O camarada não o é por irmos juntos seja onde for, mas por ficarmos a repousar juntos. Portanto, aqueles que partiram para o sol nascente é natural que repousem lado a lado, uma vez que partilham lá o sono eterno como sói dizer-se. Os outros comungam a peregrinação no “vale de lágrimas” e nele se entreajudam partilhando o pão da vida.
Filologicamente, é esta a diferença fundamental entre companheiros e camaradas.
início e iniciado
Início vem do lat. initium, ii, que por sua vez tem origem no verbo ineo, que se compõe de in mais eo (o verbo eo, is, ire, que deu ir em português). Ineo significa “ir para”, de onde “entrar”, sendo que Cícero por exemplo o usava na frase “entrar em casa”. É daí que o significado se generaliza para “começar, empreender, executar”, etc.[1]
O iniciado é visto pelo senso comum como aquele que foi levado a entrar, levado para dentro. Mas o verbo, etimologicamente, não pressupõe que alguém leve alguém. É uma decisão própria e uma acção inteiramente pessoal: “ir para”, “entrar”. Se tivermos em conta a origem, diremos então que o iniciado é aquele que entrou, que foi para dentro de algo, por sua iniciativa – e que por isso começou um caminho.
Fica implícito que começou a conhecer alguma coisa. O que por sua vez nos atira para a palavra nobre. O nobre, que vem de *gnosco, é da família de conhecer (cum+*gnosco) e mesmo de nascer (nasco). O nobre é aquele que aprende a conhecer, que se inicia no conhecimento, começa a conhecer. É preciso no entanto notar aqui a diferença entre nobre e gnosco, por um lado, e começar a conhecer, por outro: o nobre inicia-se no entendimento e na sabedoria, ou inicia-se ao entendimento e à sabedoria; por sua vez, quem começa a conhecer inicia-se com alguém no conhecimento. De facto, começar é “iniciar com” e conhecer é “aprender com”. O nobre, dele se diz apenas que é quem entra no conhecimento, mas a palavra que designava inicialmente conhecimento não era antecedida pelo ‘com’ [cum latino], portanto ele principiava uma aprendizagem, não sendo rigorosa a expressão “começava a conhecer”.
O nobre é, portanto, o iniciado – de onde não ser estranho que as sociedades iniciáticas tenham muitas vezes aparecido e criado raízes nas casas nobres, de onde se espalharam para toda a sociedade. Ao mesmo tempo em que o verbo conhecer se ligou definitivamente ao seu prefixo, no português (no inglês, por exemplo, é ‘know’ – da mesma raiz indo-europeia de *gnosco, sem o ‘com’), foi-se consolidando a ideia de sociedades para o conhecimento, nas quais o nobre era iniciado numa aprendizagem partilhada, com outros nobres (outros iniciados e os Mestres). Ali a iniciação é conventual e já faz sentido falar em conhecimento, que é aprender com outros.
[1] A. Gomes Ferreira, Dicionário de Latim-Português.