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Kapuscinsky e o 'clima'

“It’s not that the story is not getting expressed. It’s what surrounds the story. The climate, the atmosphere of the street, the feeling of the people, the gossip of the town; the smell; the thousands and thousands of elements that are part of the events you read about in 600 words of your morning paper.” Kapuscinsky, em entrevista ao New York Times (http://www.nytimes.com/2007/01/24/world/europe/24kapuscinski.html?ref=world, consulta efectuada hoje)

arte e farsa

Um artista cearense, combinado com uma instituição prestigiada no meio artístico local, inventou um artista japonês e uma sua exposição. A imprensa foi repetindo os 'press-release' enviados por uma eventual assessora de imprensa, criou um facto, comentou-o, sem sequer verificar o nome na Internet. Claro, desfeita a farsa, dada como obra do artista, a imprensa ficou muito zangada. Os comentários que li oscilam entre compreender realmente a obra ou condenar simplesmente a imprensa. Para acompanhar o interessante caso do artista cearense Yuri Firmeza consultem o 'blog' de Tassos Lycurgo, Estética Filosófica. O endereço é: http://www.esteticafilosofica.blogspot.com/

romance e história

“Jorge Volpi est assez fin romancier pour savoir que ses lecteurs s'attachent non pas aux grands événements historiques, mais aux personages” (http://www.cyberpresse.ca/article/20080427/CPARTS02/804270412/1054/CPARTS02

26/04/2008

kapuscinsky

Um bom comentário à literatura de Kapuscinsky e à Autobiografia de um repórter. V. o endereço http://passouline.blog.lemonde.fr/

23/04/2008

analogia 1

Navio de mastro ancorado ao pasto: 
O centro deduz-se 
Das antigas margens.

10/04/2008

orhan pamuk, a vida nova

Uma escrita que por vezes satura nas enumerações e descrições desnecessárias e que oscila entre grandes surpresas e desenlaces (desenlace final até) previsíveis. Ainda assim um livro apaixonante. No meio de muitas coisas (a transição dos anos de inocência - talvez 60, 70 - para os de hoje, a perda gradual de um mundo antigo e local, um largo etc.), o livro, a paixão do livro, o livro que nos traz o mundo e que parece contar a nossa história, retratar-nos e nos comunica a paixão com uma intensidade e coloração que jamais se repetem. E a passagem, inevitável, no meio disso tudo, on e of the road, a passagem à serenidade magoada da velhice ou à surpresa involuntária da morte.

pérola inesperada

"o sol se pôs atrás das obras dos soviéticos" Ondjaki, Os da minha Rua

09/04/2008

orhan pamuk

"um bom livro é algo que nos lembra o mundo inteiro"

lápide

Do fundo negro dos dias

Disse-te raras palavras.

Tive poucas alegrias,

Mas eram menos ainda

Aquelas que tu escutavas.

Por serem assim de berço

E poucas, estendi-as

Ao silêncio, que escrevo,

Como o sol, no chão breve,

A púrpura dos dias.

04/04/2008

aceno com seus cantos de cigarras


Passo a passo
Companheira
Nos aproximamos
Da infinita câmara
Para o repouso
Também ele
Partilhado
E sem fim.
No oriente eterno
Em que dormimos
Estaremos apenas quietos,
Camarada.
Por breves instantes
Os nossos passos
Caminharam
Lado a lado
No fulgor encarnado por encantos
Na partilha alegre das montanhas
E dos vales
Na consentida presença
Companheira
No mesmo pão mastigado
Sobre as duras pedras
do caminho
Também ele
Interminável
Também ele
Animado –
E, ele também, solitário
Com seus cantos de cigarras.

companheiros e camaradas

Companhia forma-se a partir de companha, a qual tem já origem no latim. No latim, compania é um grupo de pessoas que comem juntas o mesmo pão; o companio[1] é aquele com quem se reparte o pão. O gótico germânico tinha uma formação semanticamente igual: gahlaiba, formado de ga (com) e hlaiba (pão)[2]. Citando Nascentes, o dicionário Houaiss esclarece que o sentido se generalizou daí para o que hoje usamos, e usávamos já no século XIX e antes, pois a palavra companha e a palavra companhia entram já direccionadas para tais significados no século XIII e no seguinte, em Portugal e por aí na futura lusofonia.

O profundo sentido de companhia é portanto o de partilha, da comunhão pelo pão, supõe-se que num mesmo espaço, mas a filologia da palavra não nos indica isso. É a solidariedade, se quisermos usar uma palavra gasta mas contemporânea. Aqueles que partilham o mesmo alimento fundamental são os companheiros. Os camaradas não. Os camaradas encontram-se para dormir, partilham o mesmo sono. Os soldados, por exemplo, que dormem na mesma camarata, são propriamente camaradas, em rigor não de armas, mas por conventualizarem o sono. Uma vez que o fazem por serem militares, criou-se a expressão ‘camaradas de armas’. Mas o nome vem de dormirem no mesmo espaço, ícone de um templo. Uma vez que partilhavam a sua existência durante algum tempo e no mesmo espaço, passou a palavra a dizer também ‘companheiro’, pelo menos desde 1592[3]. Na verdade o companheiro tanto é o que está no mesmo espaço quanto aquele que vai connosco de um para outro lugar. O camarada não o é por irmos juntos seja onde for, mas por ficarmos a repousar juntos. Portanto, aqueles que partiram para o sol nascente é natural que repousem lado a lado, uma vez que partilham lá o sono eterno como sói dizer-se. Os outros comungam a peregrinação no “vale de lágrimas” e nele se entreajudam partilhando o pão da vida.

Filologicamente, é esta a diferença fundamental entre companheiros e camaradas.


[1] Cf. Dic.º Aurélio, versão electrónica.

[2] Dic.º Houaiss, versão electrónica (versão 1, 2001).

[3] Id.

início e iniciado

palavras comuns, que muitas vezes usamos sem pensar nelas - como fazemos com tantas outras, afinal. Uma visita filológica, portanto:

Início vem do lat. initium, ii, que por sua vez tem origem no verbo ineo, que se compõe de in mais eo (o verbo eo, is, ire, que deu ir em português). Ineo significa “ir para”, de onde “entrar”, sendo que Cícero por exemplo o usava na frase “entrar em casa”. É daí que o significado se generaliza para “começar, empreender, executar”, etc.[1]

O iniciado é visto pelo senso comum como aquele que foi levado a entrar, levado para dentro. Mas o verbo, etimologicamente, não pressupõe que alguém leve alguém. É uma decisão própria e uma acção inteiramente pessoal: “ir para”, “entrar”. Se tivermos em conta a origem, diremos então que o iniciado é aquele que entrou, que foi para dentro de algo, por sua iniciativa – e que por isso começou um caminho.

Fica implícito que começou a conhecer alguma coisa. O que por sua vez nos atira para a palavra nobre. O nobre, que vem de *gnosco, é da família de conhecer (cum+*gnosco) e mesmo de nascer (nasco). O nobre é aquele que aprende a conhecer, que se inicia no conhecimento, começa a conhecer. É preciso no entanto notar aqui a diferença entre nobre e gnosco, por um lado, e começar a conhecer, por outro: o nobre inicia-se no entendimento e na sabedoria, ou inicia-se ao entendimento e à sabedoria; por sua vez, quem começa a conhecer inicia-se com alguém no conhecimento. De facto, começar é “iniciar com” e conhecer é “aprender com”. O nobre, dele se diz apenas que é quem entra no conhecimento, mas a palavra que designava inicialmente conhecimento não era antecedida pelo ‘com’ [cum latino], portanto ele principiava uma aprendizagem, não sendo rigorosa a expressão “começava a conhecer”.

O nobre é, portanto, o iniciado – de onde não ser estranho que as sociedades iniciáticas tenham muitas vezes aparecido e criado raízes nas casas nobres, de onde se espalharam para toda a sociedade. Ao mesmo tempo em que o verbo conhecer se ligou definitivamente ao seu prefixo, no português (no inglês, por exemplo, é ‘know’ – da mesma raiz indo-europeia de *gnosco, sem o ‘com’), foi-se consolidando a ideia de sociedades para o conhecimento, nas quais o nobre era iniciado numa aprendizagem partilhada, com outros nobres (outros iniciados e os Mestres). Ali a iniciação é conventual e já faz sentido falar em conhecimento, que é aprender com outros.


[1] A. Gomes Ferreira, Dicionário de Latim-Português.

02/04/2008

a máquina do mundo 1

panorâmica geral e contexto

retrato


cuidado com o bicho: tem uma faca na mão que até corta pedras...

a máquina do mundo

... está resumida, para ateus, pagãos e acólitos, numa sucinta exposição do escultor Carlos Dutra em Évora, no quintal histórico, arruinado e gradeado do grupo Pró-Évora. Seguem fotos, que são mais eloquentes às vezes que as palavras (as fotos seguem mais logo, porque faltou a luz agora mesmo - entretanto espreitem).

01/04/2008

ressalva

A imprensa nacional falou, na altura, nas inundações e a televisão passou imagens (por exemplo do Kapiandalo alagado). Porém só na semana em que choveu. Claro que os critérios de actualidade se impõem mas seria importante saber como e onde estão hoje a viver os desalojados. Saber que os preços das rendas das precárias casas dispararam assustadoramente para além das fracas posses dos habitantes dos subúrbios; que as valas de escoamento (por exemplo do mesmo Kapiandalo) continuam aterradas e com casas lá, não escoando nada; que há grandes charcos, autênticos viveiros de mosquitos, cuja água podia ser sugada pelas máquinas da Administração Municipal, ou outras, mas as máquinas são só duas e estão cansadas. E nada mais, no entanto, a imprensa nacional tem dito