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31/10/2023

Tudo arrumadinho


à espera da ressaca


 

A luz da Moura no Verão


concentrada, no quintal acimentado entre as paredes brancas levantando o voo do pássaro. Uma árvore recolhe a sombra acolhedora.

 

30/10/2023

Por algum motivo - penso -

a arte religiosa espanhola do período barroco assentava nos violentos contrastes, em particular os de Velázquez.


(esta é uma igreja de Évora)

 

Os trabalhos e os dias - Hesíodo - no que isso tudo deu


"É que os deuses mantêm escondido dos humanos o sustento. Pois senão trabalharias fácil, e só um dia, e, mesmo ocioso, terias o bastante para o ano. Logo colocarias o timão sobre a lareira, os trabalhos dos bois e das mulas incansáveis desapareceriam" 

(versos 44-45; começo da fala de Prometeu)

 

Uma estória que se repete,


como uma casa guardada ao abandono e sua escada para descer à rua: uns virão, disse o velho poeta, com suas armas de arremesso e me chamam para me rebelar contra o fim do dia; virão de outro lado os filhos do sol nascente para ditar as ordens e as regras de construir uma nação saudável. Eu não me identifico. Não vou por qualquer aí. Sempre caminhei sozinho e, quando olhava as nuvens, adivinhava apenas que estava próximo o sol aberto, ou que se aproximava a chuva benfazeja. Quando a chuva caía, me abrigava e depois deixava o rio correr para o mar, ia ver o mar onde o rio desaguava e gostava de escutar ainda o marulho das ondas. Quando o sol vinha começava a caminhar sem rumo. Assim me mantive livre, natural e saudável, entre os apelos da rua e a casa abandonada. 


 

28/10/2023

O poste e a estrela


Prótons, elétrons, possuem cargas elétricas e são, como partículas subatómicas e a par de outras partículas, uma das bases microfísicas de tudo quanto existe. 

Fontes primárias de energia, por exemplo o mar, o vento, a água dos rios, permitem que se lhes extraia energia elétrica. 

A energia elétrica é, portanto, uma fonte secundária, processada a partir de fontes primárias que encerram, suportam ou contêm prótons e elétrons entre outras partículas subatómicas. 

A linguagem poética, desde o começo do século XX, foi finalmente percebida com precisão como o que mais tarde se chamou sistema simbólico (e linguístico) de segundo grau. 

Sistema linguístico de segundo grau como o são todas as linguagens especializadas que, sobre as linguagens comuns, quotidianas, aproveitando as suas cargas elétricas, as relações entre seus prótons e elétrons, desenvolvem um discurso específico tendo por pressuposto o conhecimento geral e a enciclopédia que circulam na linguagem comum quotidiana. 

Um sistema simbólico de segundo grau que podia ser chamado de terceiro grau. Pensemos: a linguagem substitui a realidade. Não podemos levar uma pedra nem para dentro da boca nem para dentro de um livro, como sucede com tudo, sol, vento, montanha, luz. Mas podemos levar uma palavra que faz quem nos escuta imaginar o objeto referido. A linguagem, nessa medida, é por si um processo de representação, de simbolização, ou de significação, que torna presente, qualifica (adjetiva), e denota qualquer objeto ou sentimento ou conceito (por algum motivo é mais difícil ainda arranjar a palavra apropriada a um conceito do que a palavra para nomear 'osso', 'montanha', 'dedo'). 

A poesia, tendo por pressuposto o primeiro sistema que é a linguagem comum quotidiana, elabora sobre ele uma segunda significação, que organiza uma segunda carga elétrica, por isso chamada de segundo grau. Se num poema aparecer a palavra 'dedo' ela pode significar tudo o que o dedo pode significar em sentido figurado ou não; tudo ou qualquer parte desse vasto campo semântico. 

Agora me perguntam: mas não disse que se podia chamar um sistema simbólico de terceiro grau. Disse. Porque, antes da linguagem verbal, o cérebro organiza as perceções de forma a construir um primeiro discurso de imagens que já contém, pela sua própria formação, toda a energia poética e toda a potencialidade dos sistemas simbólicos ou linguísticos de 'primeiro' e de 'segundo' grau. Esse discurso imagístico, essa sintaxe percetiva e intuitiva, é o verdadeiro sistema simbólico de primeiro grau. 


26/10/2023

Até mesmo


o menos culto entre os crentes e o mais ignoto dos deuses,



 

23/10/2023

Do caminho tateado ao reino das nuvens,

 do cheiro macio ao tato, 

não se preocupe, senhor legislador,

são poetas em trânsito 

e recurso



Artes orientais e ocidentais - existe uma



para viver e outra para morrer. Na primeira se interligam os planos e dimensões mantendo cada qual a sua peculiaridade e função; na segunda se fundem os planos e dimensões através da meditação concentrada e constante. Isso até vir a estrela e explodir em nós. Então é que tudo estará consumado.


 

22/10/2023

Não era uma trama de ideias, uma descoberta ideológica e política, era bem mais


o contributo natural das sementes, que naturalmente aspiram a subir as dunas, carregadas pelo vento

 

Era uma vez o Egito



 ... e talvez não pudesse ser de outra maneira.

21/10/2023

Não sei se há ideias verdadeiras.


Sei que uma coisa são as nuvens e outra a ideia das nuvens, abstraída. Procuro ver como da primeira vez e elas estão lá. Quando contemplo a ideia de nuvem, porém, desfaz-se e volto a olhar. É, portanto, melhor limparmos os olhos.

 

hieroglifos eletrónicos



- apenas uma reminiscência, escrita já sem significado específico, mas ainda assim evocando formas básicas, embrionárias de um 'imaginário'

 

Ainda rumo à noite

o sol expande a consumação da luz, explosões longínquas cujos trovões não chegam até nós, e 
sobem alto os caminhos abertos que percorreu

(tradução livre, muito livre, de duas frases de Boetius, A Consolação da Filosofia)


 

19/10/2023

Quase



denota interrogação, por etimologia proto-indo-europeia. Pergunta pelo que falta na promessa de ser o que não se chega a perceber mas está próximo de ser e não chega a ser. É, neste aspeto, equiparável à intuição, com a diferença de que a intuição raras vezes interroga. O quase é um convite à pergunta, ao que; a intuição é a abertura de um caminho. Ambos apontam para o que ainda não se percebe de maneira definida.


 

18/10/2023

Límpido e sinuoso,

transparente e insinuante




 

A natureza do homem

é um muxito, mata cerrada junto ao rio, impenetrável quase, onde monos e bugios falam às moças para encantá-las com gritos e gemidos. Há naturezas como letras entalhadas na pedra, naturezas mortas com gritos e sussurros lá dentro, mudos; há naturezas que são como passos nas areias junto à espuma das ondas, frívolas; há naturezas como palavras de água empoleirando-se nas ondas, vivas, mas efémeras e superficiais. Porém o homem, quando acorda e vê é que está na sua natureza. 


 

17/10/2023

Para muitos filósofos,

imaginação e análise opõem-se. Curiosa distinção. Uma não vive sem a outra e muito vive sem análise nem imaginação:


 

Estado da vigília:

O animal vaga ainda num obscuro sonho



 

Teodiceia

"Car il n’y a rien de si agréable que d’aimer ce qui est digne d’amour"


(Leibnitz, falando de Cristo, em Essai de théodicée)

 

16/10/2023

Entretanto o verde...


Afinal a poeira 
Não era só de palavras.
Era o gasto dos passos
Calçando as estradas,
Indícios esparsos
De folhas antigas.
Afinal a cegueira
Dos pequenos nadas,
O vento a levantava
Das folhas caídas.




15/10/2023

A experiência do inverso -

apanhar o reflexo, ir vendo a imagem refletida num sentido pouco usual (por exemplo da direita para a esquerda), depois de ver as coisas pelo inverso ou negativo - por exemplo um episódio da nossa vida - recompor aos poucos a perceção normal e na direção habitual (da esquerda para a direita). Com muita calma e concentração. Com todos os detalhes.


(mero exercício de perceção)

 

14/10/2023

Linha divisória -

dos dois lados, o mesmo jogo


 

11/10/2023

Arte sem cura


"Aristote dit :
Nous avons donc dit ce qu’est l’accident, quelle en est la cause et qu’il n’est pas objet de science stable. Quant à ce qu’il y ait des principes et des causes générables et corruptibles sans qu’ils viennent à être et se corrompent, cela est manifeste. En effet, s’il n’en n’est pas ainsi, toutes les choses seront nécessairement, car si ce qui vient à être et se corrompt n’a pas une certaine cause par accident, il sera
nécessairement"




 

10/10/2023

Rosto de cortiça

mesmo isolado, nunca perde o leão sentido de nobreza



 

07/10/2023

Então, como lavrar a palavra?

Por ritmos.
Na escuridão brilhante.


 

06/10/2023

Transmutação poética



"A oposição adâmica de um nome a um ser torna-o exterior a nós, mas designá-lo pelo verbo equivale a captar por dentro a energia interior que nele se manifesta, a vê-lo interiormente, como se fosse uma emanação do nosso próprio ser."


(António Telmo. Arte poética, p. 35)

 

05/10/2023

Lírio ruminante,


O boi, com seu bafo
Invisível parece
Acordar o sábio.


 

04/10/2023

Quando o Castanheda,

que é discípulo do índio, diz ao índio que lhe aparecem olhos antes de adormecer, o Don Juan, o índio, diz-lhe: – É por esses olhos que tu podes entrar para o mundo do desconhecido



(o olhar é o do índio)

 

A cultura em Portugal

 

no século XVIII: a Biblioteca, o Museu, a Catedral


e o galo



03/10/2023

Então falávamos do paradoxo,

da pertinência cognitiva do paradoxo e da ciência
reconstituindo a cultura matemática...


 

02/10/2023

Porque se pode duvidar


da verdade das coisas sensíveis:


(René Descartes)



 

01/10/2023

Desesperado sem inocência,


filho pródigo do espírito,
face ao teu realismo avarento,
Saúdo a energia limpa da convalescença
por elementos primordiais