Geometria esvoaçante

 

Aquela noite

 a pérola daquela noite

Rosa de sangue e nuvem

na paisagem sem vazio

 

Paragem

 Ensimesmado,

Antigo,

O lapidar ouvido.

Uma arte antiga.

 

Esse canto prenhe –

Teografia ritmada –

Filosofia remota

Na margem do progresso,

Indefesa república

De papel rasgado.

 

Ficaremos, então,

Com esse canto sem nome.  

 

Que somos nós

Inteiros. 

O rio que veio comigo

trazia o mar dentro dele

 

Falta-me ainda uma palavra

 cheia de luz, naturalmente

Flor de praia

Chamamos centro

Ao que reúne

O que está separado

 

Vim de uma terra onde havia cor

ali aprendi que o branco

é uma cor de mistura -

e que a luz

dispensa a cor

 

Assim como quem diz

 

Assim como quem vem,

o desembarque parece uma escada

para atalhar o incêndio

antes que inflame

 

Cascata com rodas

- isso que chamam Verão

 

Peri-urbano, semi-rural, etc.,

você fala bwé, mano; isto é só margens, cruzamentos, terra-mar, mar-e-céu, terra-céu, tá na margem, re-liga

 

Lexias interconectadas por múltiplos vincos -

 

assegurava a conferencista

Traz-me, então, uma gota de sol

 

Reflexos frios

em névoa de vidro 

 

Outras Áfricas

...do tempo sem fim

quando o outro era o mesmo...

 

Hibisco branco

mimo de Vénus - Vénus era branca

no tempo em que a morte era branca

e a vida negra para muitos

em torno dela

 

Caminhos cruzados

 

na praia do sem-fim

Parece que havia um rumo, não é?

Afinal era uma fronteira, 

um rumo para fora,

uma corda de asfalto na garganta da cidade,

o fecho ecler silenciando os horizontes.

 

Então havias de ver a luz

 

Consegues medir a espuma?

 

Fechando o Verão

 

Teoria das margens

 

A prova de água

 

Desembarque

- apesar de tudo e com tudo, foi o começo de uma longa relação 

inter e transcultural

 

A imagem é sempre mais sugestiva que as palavras

Faz a fotografia falar

 

Em rede

 

En la medida en que se extiende el espacio antropológico de los circuitos y de las aceleraciones deterritorializadas, la física se interesa en los procesos más que en las leyes, en los desequilibrios más que en los estados. El caos determinista y los objetos fractales estudiados por las ciencias de la naturaleza se hacen eco de losarrebatos, de los comportamientos erráticos, de los azares que ocupan en lo adelante la primera fila del mundo humano.

(Pierre Lévy. Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço). 

Há poemas assim

de palavras baças e densas

prometendo a luz

 

Pensando nisso,

Fundação eventual da cidade de Benguela, litoral-centro de Angola. Mais ou menos nesta zona terá chegado Manuel Cerveira Pereira com os seus homens. Depois se deslocariam para a foz do rio Cavaco, onde o povo local (que não falava umbundo) tinha muitas hortas e foi junto delas que fundaram a cidade, ocupando as terras férteis. 

 

Filhos - reprodução aleatória

 se as palavras não se ligam pelo sentido resta a coerência da fragmentação: sem qualquer espécie de ordem cada parte contém a reminiscência da totalidade

Por acaso, o amor,

depois do fogo - 

não há palavras

 

Brinco

na orelha da última estrofe

 

Incidência

a eterna (eterna quanto o ser humano) imagem da incidência, que sempre salva, porque indica o escolhido: objeto, pessoa, cenário, acontecimento, momento. O rumo. Desde que descemos das árvores a indicação do caminho se tornou muito mais importante que o era para os que ficaram pendurados dos ramos.

 

Linhas brancas no capricho das marés

 

Depósito humilde

 na margem da vida

Os pássaros, pela manhã,

debicam tenras inocências

 

Excrescência, excremência, distopia, comorbidade

 exportações ilegais

Recipientes

 

Espinhoso, talvez...

os olhos servem para ver

 

Boa tarde

partir, às vezes, é nascer de novo, não é?

 

Quase a chegar

e chovia

 

Fractais em espuma

vindos de nenhuma

noite.

Suspeito que as reflexões de Derrida e outros sobre disseminação teriam lucrado se, no começo do caminho, ele tivesse regulado e sintetizado o seu discurso pelos estudos sobre fractais, assumidamente. Alguém se deu ao trabalho de selecionar excertos.

 

Com posição

Mas acham mesmo que houve estandardização do homo sapiens? Isso é uma capa superficial que assenta irregularmente sobre pessoas indiferenciadas. Elas, automatizadas, seguem esquemas mentais fáceis de adaptar quando lhes parecem úteis, mas não ficaram estandardizadas na sua realidade psicológica mais profunda. No concreto, em cada pessoa na sua vida psicológica interior, isso intoxica mais a flor plastificada das nossas peles, é como a poluição das águas que não atinge o fundo onde passa uma corrente mais fresca e transparente por baixo da sujeira bárbara do fim de semana. Daí que surjam, perante o 'normal' estandardizado (seja esse 'normal' o polidamente correto ou o politicamente correto), constantes erupções 'anormais' de selvageria ou de autenticidade, sujeiras bárbaras do fim-de-semana. A distorção imposta pela intoxicação superficial (ou seja: à superfície, visível) gera movimentos contrapolares de desintoxicação profunda. Se essas manifestações não são compreendidas no seu começo, não se abrindo espaço natural para elas; se se tenta fazer os seus sujeitos retornar ao 'normal', então, ou eles retornam doentes ou se afastam dos shopping's e são tratados como estranhos e deixados no seu canto pela estandardização comercial ou política. Aparentemente, algumas pessoas podem parecer modeladas e básicas, mas reservaram seu espaço privado para se expandirem, para serem naturais. Isso ainda é sinal de que não se conseguiu a estandardização do homo sapiens. Nem ideologicamente, nem comercialmente.

Ficam, depois, esses restos aleatórios de conchas e satélites e areias entre as linhas brancas das marés avisando o futuro acerca da impossibilidade normativa.

Uma concha que dá sinal da ausência de eco e por tanto...

 

Praia da ferrugem

em busca do Prestes João

Hoje

Um morto veio dar à praia e harmoniosas

Foram as linhas com que a areia o recebeu:

Como as de um colo.

(Mário António, Carta do Afogado - excerto)

 

Uma razão de chuva

 nos dias cinzentos

Estou à porta da Igreja a ouvir os cantos

e pergunto (a mim? a ti? a ele?): quantas vezes ressuscitaste nos últimos anos?

 

Diagramação fractal da passagem

À sombra das grandes árvores antigas

 

Quantos anos tens?

Vieram de tão longe! Há

Quanto tempo moras aqui,

Camarada?

 

Expressividade e projeção - resumo:

 tudo o que eu sinto pode ser, um dia,

aquilo que tu pensas sobre ti.