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21/06/2020

Árvore persistente



crescendo na sombra de si própria, ainda assim extensa e sólida,  espalha seus dedos para fora 
em busca de luz e próxima das águas
onde reflete o sol em movimento; 

alonga seu poema de madeira e verde, sua síntese 
de luz e terra humedecida, fértil chão.

Voltada para a sombra de si própria, a cicatriz ainda se abriu, ainda assim, para receber as folhas secas que o sol não pôde salvar. Assinala a vereda para fora de si, no ar aberto onde  se resolvem as antigas feridas.



20/06/2020

Emaranhado nos teus braços




A dispersão generosa

Fraternos dedos alongados

Em dádiva aleatória

Envolve sílabas exiladas do património

Radical com a razão fecunda

Nascida no espelho das águas paradas

Aguardando o regresso da vida.


Figurino




picotaram sem saber
de onde vem o vento?



Chuva de inverno




sobre a praça molhada
no espelho dos dias



10/06/2020

08/06/2020

DuAl




Du - devido à dúvida, talvez. 

Al - outra coisa, sempre outra coisa mesmo que pareça um espelho. 




Cais de quarentena





Cai de quarentena o olhar pausado no cenário, por acaso? num voo de pássaro sobre as águas calmas, o anúncio de tempestade ao fundo, a vigia de cimento vazio, completamente inútil e a luz atrás das nuvens insinuando a existência do sol. 

O resto que o digam os feiticeiros e os messias das burras.



04/06/2020

Expressão




Olhando a estátua rústica, a boca tapada pelo cimento depois de esmigalhada pela queda, talvez, não sei, do paraíso... Quebrado o nariz também, restam-nos os olhos, abertos, como nos homens saudáveis um fitando numa direção e com uma expressão ligeiramente diferente da que segue o outro. Reparem, o da direita (de quem vê) mais incisivo, mais duro, o da esquerda um tanto mais vago, interrogando mas quase a pairar numa órbita perdida, e a testa alta, só com as marcas do cinzel, sem se ter chegado a criar a ruga, as linhas coincidentes com a expressão dos olhos. Alguém dirá: mas depende da perspetiva. A minha foi esta.

Recordei-me, nesse instante, do verbo perscrutar e confesso não saber ainda qual foi o resultado do escrutínio.



Não arde




Podes dizer que o fogo se descobriu pela fricção de duas pedras; outros asseguram, como se lá estivessem, que eram dois pauzinhos. Eu já presenciei todos esses fenómenos. Não por ser Deus, nem por ser antigo, mas porque fizeram questão de me mostrar a fricção das pedras e a chama que deu; também, no mato, me mostraram os pauzinhos com que se pode acender fogo e acenderam. 

Mas, juntado pau e pedra, não chega para fazer fogo.