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26/01/2010

arlindo barbeitos a música



“A situação estava muito tensa, o medo assolava a capital e o país inteiro. Uma intentona contra o poder estabelecido fora, pouco antes, desmantelada. O governo, entretanto, havia promulgado um severíssimo recolher obrigatório do sol-posto ao nascente. 


Um dia, à noitinha, já em cima da hora do regresso a casa, irrompeu de um quase tugúrio numa ruela da cidade antiga uma música, tão suave e inesperada, que nos forçou a parar. Incapazes de prosseguir, sentámo-nos no lancil do passeio como se as patrulhas não circulassem e o risco não fosse nenhum. Massacres, mortos e tiros haviam-se afastado, num instante, para muito longe. De uma janela escancarada sobressaía na penumbra um velho em pijama. Ao piano, tocava, docemente, uma canção de ninar”
(de O rio: estórias de regresso, Lisboa, IN-CM, 1984)