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27/10/2009

adelino torres fim de tarde

Adelino Torres continua a publicação da sua poesia. A segunda coletânea (Histórias do tempo volátil) chegou-me há poucos dias à mão, por gentileza do autor.

No geral contém as mesmas caraterísticas: um arco genológico variado, que vai da lírica pessoal à sátira voltada sobre os políticos e as asneiras do quotidiano em que nos envolvem num futuro duvidoso, passando pela reflexão filosófica moralizante. Os textos em geral curtos e incisivos convocam o leitor para um breve ensinamento (há provérbios em verso também na antologia), para quadros ou alusões de caráter narrativo e também para descrições lapidares. Essas descrições montam imagens visuais que, pelas suas caraterísticas e pela maneira como se nos apresentam, nos deixam em suspenso por um tempo, funcionando a visualidade como ferramenta ou mola da reflexão. É o caso de «fim de tarde»:

No horizonte as jovens nuvens dançavam

A dança da cabra cega

Em torno da grande fogueira

Cujo ardor enchia o céu

Pintado de azul profundo

Iluminando os olhos das crianças

Que brincavam descuidadas

Com a aparência do mundo.

26/10/2009

música urbana luandense

Com 1.ª ed. em 2007, veio a público o título O percurso histórico da música urbana luandense: subsídios para a história da música angolana, da autoria do luandense José Weza (José Cristóvão da Silva Júnior). Trata-se de uma obra incontornável para quem queira estudar o assunto. Remontando às origens do semba ou da massemba, com seguro apoio no crioulo Óscar Bento Ribas, vem até aos últimos anos, reunindo um conjunto de referências muito completo e variado. Vale a pena ler. Junto ao nome do autor, na ficha técnica, vem um número de telemóvel, certamente para quem deseje pedir e comprar exemplares: 00 244 912 912 282.

25/10/2009

tropicologia subversiva

Isto é África, amigo, sabe?

Nos trópicos anoitece de repente

Mesmo até às vezes no musseque burity

Quando vêm aquelas trovoadas

Nem sabemos onde nos meter

Aí, percebe, cada homem

É uma ilha, francamente, é uma ilha

E aquelas trovoadas

De borco no chão impuro, lembre-se

A noite cai de repente

Nos trópicos. Como tu, minha princesa.

De repente. Não mais que de repente.

tese

Por mão amiga tive conhecimento de uma tese interessante de Carla Susana Além Abrantes sobre M. António, que pretendia ultrapassar a dicotomia negritude / crioulidade. Ao lê-la com atenção, porém, alguns pontos me desiludiram: várias informações erradas e ausência de informações fundamentais sobre a minha pessoa; afirmações sobre o que defendo feitas, em pelo menos duas ocasiões, sem dar o mínimo fundamento textual e confundindo-me (e a José Carlos Venâncio) com o prolongamento do colonialismo e do luso-tropicalismo; suspeitas de que, vivendo em Portugal, afirmamos o que afirmamos por ligações a "interesses" e não podemos expressar o que pensam os angolanos. Tudo isso me parece inadmissível numa tese de mestrado, que pelos vistos se prolonga para um doutoramento, agora sobre «um governo em "desordem", uma elite "incapaz" e cidadãos "excluídos": as condições de um debate em torno do Governo Central de/para Angola». Não sei se é somente como cientista social que a doutoranda está a trabalhar, caso seja, dou-lhe os parabéns pela coragem e estimo que faça uma investigação sistemática, tanto quanto possível exaustiva, isenta. São muitos os caminhos sinuosos e o que se vê por todo o lado, geralmente, oculta o que se passa. Deixo entretanto alguns esclarecimentos: nasci em Lisboa, no Kapiandalo e na Chila, o que não é pouco. Vivo em Benguela, onde fazia relativamente curtas estadias, e moro aqui desde Julho de 2006, o que também não é pouco (sabem os que vivem cá, do seu salário de professor, como eu). Trabalho com a Universidade Agostinho Neto desde Julho de 2005 e também não foi pouco, sobretudo no período em que os salários chegavam a atrasar 4 e 5 meses. Quando saí daqui fui para o seu país e não para Portugal, tendo vivido em Campinas até Maio de 1979. Não conheci Mário António Fernandes de Oliveira nem, portanto, privei com ele. Finalmente: a minha vivência da Angola de hoje no território (porque há de facto as Angolas da diáspora e também são Angola) só tem reforçado a hipótese que desenvolvo sobre a crioulidade e a literatura e a identidade angolanas. Se assim não fosse teria abandonado esse posicionamento. A nossa estrutura mental é cada vez mais híbrida e crioula, sim. Não há porque fugir a isso e pensar em termos de subterfúgio, a ciência não avança com subterfúgios ou com medo do que pensem de nós algumas pessoas. Se quiser esclarecer-se, contacte-me.

16/10/2009

antigo forte

(foto: Cidália Cotrim)

segue

Segue. Nem das pedras Recordes: o caminho Só foi feito para andar.

fala antes da fala

A partir das leituras que fui fazendo em neurobiologia, particularmente a de António Damásio, percebi que havia, ou pelo menos podia haver, uma espécie de fala antes da fala, fosse ela com imagens sonoras e visuais ou só com uma dessas componentes (a visual). Isso está implícito, é dedutível dessas obras que, se não o dizem explicitamente, deixam-nos todos os elementos necessários para o concluir. Essa minha intuição, em que tenho fundado uma das reformulações que proponho para a teoria literária, encontra-se cada vez melhor e mais exatamente formulada, em termos científicos. A última notícia vem num artigo da revista Science, no número acabado de sair. O artigo reporta uma experiência, relatada a pp.445 do mesmo número, que demonstra que a área de Broca é ativada para a produção e para a compreensão da linguagem, bem como nas operação de 'unificação' de sons em palavras e de palavras em frases, atravessando e superando as fronteiras entre fonologia, morfologia e sintaxe. Outro dado interessante é que a área de Broca é ativada igualmente para atividades cerebrais relacionadas com a música e a própria ação. Podem consultar o artigo em causa, de Peter Hagoort e Willelm J. M. Levelt, seguindo a hiperligação. Boa leitura.

12/10/2009

novo jornal contra caranguejo

O Novo jornal vem-se afirmando, número a número, como um dos melhores (se não o melhor) semanários angolanos no momento. Tem uma linha editorial arejada e séria, bons articulistas, bons jornalistas, sentido de oportunidade sem oportunismo. Esta semana, dois artigos de opinião a destacar, por sinal dois artigos sobre a comunicação social angolana, a isenção e a liberdade no jornalismo do país: o de João Melo, a propósito da maneira como a imprensa escrita tratou o documento da UNITA relativo às diferenças nas suas propostas constitucionais face ao MPLA; outro, de António Tomás, sobre «Questionar o poder» - a propósito do recente artigo de Adriano Mixinge, n'O país, sobre o último livro de José Eduardo Agualusa. Angola está, a cada instante, a regressar à ditadura ou a avançar para uma democracia na aceção contemporânea da palavra. É com textos como estes que vamos no sentido da liberdade e da responsabilidade. Para trás anda o caranguejo.

in memoriam

Porta. Uma outra fechada. O fogo alimenta A pedra lapidada.

07/10/2009

santo agostinho sobre o livre arbítrio

"...assim como é próprio da bondade fazer bem aos estrangeiros, também não é próprio da justiça vingar-se nos estrangeiros" (Lisboa, IN-CM, 2001, p. 147)

çeuchão




"eu nasci lá numa terra onde o céu é o próprio chão" (Belchior, cantor brasileiro)