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03/06/2025

Mar do Norte


(negociando o silêncio)


 

02/06/2025

Encontro

de culturas

 

31/05/2025

Filtros de amor


(Cadeia da Relação, Porto)

 

30/05/2025

O carro

 ficou na garagem



28/05/2025

Vagamente circular,



imediato, limiar, quase inefável


 

27/05/2025

O X

da questão


 

Pássaros

espavoridos


 

26/05/2025

Porque floriram os pássaros




(pontuação a cargo de quem vê)

25/05/2025

Os seres que dormem


são capazes de compreender

 

24/05/2025

Estação seca



Se pudesse também eu
me isolava na montanha
fria.


 

23/05/2025

19/05/2025

Arquitetura lírica religiosa


(Porto, igreja de Cedofeita, a nova)

 

18/05/2025

Do caminho solitário:

 


Não desdenhes o homem sozinho.
Quando sucumbes sob os vapores da noite
Ele está a caminho
Para levantar o sol.


17/05/2025

Fechadas as palavras,



demoro-me. 
Colo-me na parede
ouvindo os botões abrirem


 

15/05/2025

A ravina sob o céu

retorna à infância


 

13/05/2025

Quem se arriscaria


a ver um começo
no lugar do fim
?

(sobre uma frase de Eudoro de Sousa)

 

11/05/2025

Debaixo das brancas nuvens invisíveis,

 numa cana de bambu, 

roendo os últimos açúcares 

da propalada infância desmedida,

muito aquém da profecia,

vi sucumbir o catuítuí

empoleirado num ramo fino e seco.




08/05/2025

Sob nuvens brancas

Trabalho em cor
o búzio da pele


 

07/05/2025

Numa cana de bambu

O que lembro de mim vagueia
sobre as escamas do lago.


 

06/05/2025

Para além da profecia


a atual memória dos povos não sabe
que somos homens sem caminho.

 

Na montra da infância

não vejo o meu rosto


 

05/05/2025

Calor

primaveril



Animal

reflexivo


 

04/05/2025

03/05/2025

Não somente

uma divergência


 

02/05/2025

Mito

descentrado



A asfixia do processo prévio na arte fotográfica

 


Como em quase todos os ramos artísticos, o século XX valorizou mais o processo que a obra. Em parte isso deve-se aos avanços tecnológicos e científicos. No caso da fotografia, estando ainda muito próximos os procedimentos iniciais e havendo já condições para trabalhar criativamente com eles e com os contemporâneos, a preparação do momento do 'clique' (por agora, chamemos-lhe assim) concentrava as atenções. Os grandes fotógrafos não deixaram de pensar previamente a obra, mas não sem se afastarem da imagem que tinham em mente, que era a verdade artística a representar. 

Os ideólogos, partidários, conteudistas, organizavam a imagem prévia e o processo para a fotografar, de maneira a fazer o resultado coincidir com a mensagem. Aproveitam lições do teatro e do cinema. Num retrato, por exemplo, o gesto, a expressão dos olhos e dos lábios, a posição do rosto, a incidência da luz, o ponto de vista, a anulação do ruído pela sombra e qualquer elemento remetendo para a historicidade, o contexto no qual a imagem produzia a lição que se queria dar. 

Os artísticos ensaiavam e experimentavam as câmaras, os materiais onde se imprimia a luz que gerava a fotografia, as obturadoras (os buracos que recebiam a luz que trazia a imagem), a luminosidade ambiente, o efeito do movimento na impressão da luz no material, etc.

Mas ambos pensavam primeiro no processo anterior ao momento do 'disparo'. Depois desse momento, havia procedimentos ainda importantes: a câmara da revelação, a passagem da foto ao papel, o tipo de papel, volumetria, grau de absorção, etc. Mas o 'retrato' estava feito. Se não fosse programado antes, depois só se 'retocava'.

Para quem não reduzia a apreciação das fotos à consideração moral e política dos 'conteúdos', o fotógrafo era valorizado pela programação e manipulação prévias do instante do 'disparo'. O resultado do disparo, muitas vezes, era mais importante enquanto revelador da manipulação criativa dos procedimentos prévios. A obra em si, a imagem que se imprimia nas nossas mentes ao vermos a foto, passava para plano secundário. Levava-se em conta o procedimento necessário para produzir uma impressão, por exemplo, de melancolia (por exemplo também, através da manipulação da luminosidade) e valorizava-se, ou se desvalorizava, os recursos criados pelo artista. Isto é, sem dúvida, importante, mas a anulação do valor da imagem por si levava a que, por exemplo ainda, se desvalorizasse uma foto porque resultava do 'disparo' momentâneo, imediato, ingénuo quanto aos procedimentos, instantâneo. Com o tempo é que se foram revalorizando os instantâneos, nas fotos de rua, nos acasos felizes, etc.

O surgimento das câmaras digitais fez explodir o cânone artístico assim criado. Os críticos conformados aos critérios anteriores, iam resistindo passivamente à novidade e desvalorizavam-na. As câmaras digitais avançaram, permitindo-nos realizar fotos com potencial sugestivo cada vez mais intenso. Os artistas que tinham empenhado a vida profissional (artística) na aposta sobre procedimentos prévios e laboratoriais, intuitivamente ou não, sentiam o perigo. E, durante várias décadas, até hoje mesmo, continuamos a ver os 'especialistas' valorizando o resultado caraterístico do contexto anterior, ao mesmo tempo que desvalorizando a novidade. É pecado de lesa-arte não pensarmos no que vem. 

Com as máquinas digitais os procedimentos prévios, em geral, foram simplificados numa primeira fase. Numa segunda fase vão sendo afinados os comandos que levam aos procedimentos prévios, mas ainda exigindo, para certos tipos de fotografia, tripés, manipulação detalhada do obturador - e o momento passa, o motivo da foto altera-se, transforma-se, desaparece, pelo que ela deixa de fazer aquele sentido específico, produção casual e ocasional, a sincronia que a motivara. 

A grande vantagem que trazem as máquinas fotográficas digitais é a da ampliação e potenciação dos procedimentos posteriores. O 'disparo' volta a ser o instante da obra, fundamental, incontornável. o trabalho sobre a imagem passa a ser posterior ao 'disparo'. Claro que temos de perceber - e muito rapidamente - todas as condições da foto: se há contraste ou não, se isso traz vantagem ou não, se devemos mover-nos ou não - e rapidamente - para mudar a perspetiva, a incidência da luz, etc. Mas isso é tudo breve, em frações de segundos, intuitivo, urgente. 

Com o regresso digital à valorização do 'disparo' e a transferência da importância dos procedimentos para a fase posterior a ele, a arte fotográfica sintetiza hoje todo o seu historial e avança um pouco mais. Podendo, ainda assim, continuar a programar previamente alguns tipos de retratos ou 'disparos' - mas agora sabendo que 'a seguir' ainda se consegue transformar em outra mais próxima da origem a imagem capturada. 

(O título da postagem parece típico da passagem do século XIX para o século XX. É de propósito)


30/04/2025

O que interessa à arte


é a visão mais íntima, a primeira, mais próxima da sincronia do espanto - e a harmonização do espanto, não pelo olhar frágil e fatídico de Orfeu para Eurídice depois do milagre, mas pelo deslumbre, quer seja dolorosa ou não seja a descoberta. A convicção pelo deslumbre, seja ele um soco ou a explosão de uma estrela, é que determina a obra de arte e orienta o processo artístico nas suas articulações todas. A verdade, neste caso e critério, não coincide com a realidade. A verdade é o que leva à criação.

Daí que Truffaut diga "que ao longo de toda a nossa vida, nos tornamos pessoas diferentes e sucessivas, sendo isso que torna tão estranhos os livros de memórias."

A arte é um amor viandante. "Ao respirar, o tempo conspira"

(em comversa, por ele desconhecida, com Pedro Martins sobre a filmografia marrana de Truffaut. Livro a sair: Israel, minha vaga estrela, por Pedro Martins, na Zéfiro)






 

Moer o vento

no cimo da noite


 

29/04/2025

The photographer monism


- o princípio da reprodução -

 

28/04/2025

Não conseguimos olhar




os lírios do campo, como se erguem, vivem, criam, morrem - "crescem; não trabalham nem fiam". Por isso esquadrinhámos o espaço. No começo, era só para nos protegermos melhor. Porém ficou, desse medo, algo muito nosso, muito humano, que nem sempre conseguimos expressar mas nos traz 'a alma' de uma cidade, com sua história, sua maneira de enquadrar o vazio por linhas retas e cruzadas, que vê cada um com lentes próprias. Alongava-se dos dias anteriores um timbre pardacento, mas, excecionalmente, não naquele instante. Por nenhuma razão excecional. Apenas assim - diriam os lírios do campo.



 

27/04/2025

Se a percepção exterior




[...] provoca em nós processos que a desenham em linhas gerais, nossa memória dirige à percepção recebida, por semelhança, antigas imagens cujo esboço já foi traçado e guardámos. Ela cria assim pela segunda vez a percepção presente, ou melhor, duplica essa percepção ao lhe devolver, seja sua própria imagem, seja uma imagem-lembrança do mesmo tipo.

Isto foi escrito por Henri (Henrique) Bergson (o filho da montanha), que deve ter visto lá do alto o sol a erguer-se, com ascendência judaica e sobrenome de origem médio-germânica. 

É surpreendente, para um leigo como eu (alguém que não sabe mas colhe), que a neurobiologia venha confirmar e precisar isto mesmo no século XXI. Essa afirmação bergsoniana, para a teoria da arte ou da leitura, é a base de tudo quanto se possa dizer dentro de tudo quanto se possa constatar em ciência. O primeiro movimento é o da primeira criação: abertura à perceção (que também pode vir de sensores atentos aos órgãos internos do corpo), espanto, visão primeira, que não conseguiremos nunca definir em palavras mas, por iss mesmo, tentamos exprimir, atingindo uma formulação nova. O segundo movimento é hoje popularmente conhecido em certos meios como de feed-back, ou seja, recuperar do espanto a partir das imagens evocadas pelas imagens percebidas imediatamente. O primeiro movimento agita o fundo de representações disposicionais (para usar o conceito desenvolvido por António Damásio), levando à primeira geração do novo, que alguns chamam de insight. O segundo movimento articula a novidade com  passado, as expetativas da receção, a história da humanidade e da arte. O primeiro movimento, para simplificar, é criador, na medida em que provoca uma reorganização do guardado; o segundo é coletor. O primeiro suporta a invenção, o segundo a leitura, seja a primeira leitura feita pelo criativo sobre a novidade, sejam as últimas feitas por seus leitores a cada instante, em qualquer parte do mundo e da história. Aí temos a teoria da criatividade e a estética da receção. Aí temos tudo o que há de fundamentalmente novo e tudo o que se colhe condicionalmente lendo, manipulando, escolhendo por partes. 

A afirmação de Bergson, corroborada pela neurobiologia, traz em seu bojo toda uma teoria da literatura. O que parece não estar aí convocado, expresso, é o que não se diz e o indizível, por definição, não falta.


 

26/04/2025

Nem uma paisagem cabe


na concha da memória


 

No caminho do campo

havia uma torre


(era a torre do Martinho
- diz a bela camponesa)


 

25/04/2025

O dia nasce



sem etiquetas 

24/04/2025

Nenhuma identidade nacional


ou partidária se define como 'alma' ou 'essência' da pessoa. A pessoa é própria e intransmissível. Além dela, vê-se o mundo. O que somos só nós sabemos (e não de tudo). Eu, por mim, prefiro ser mais o que vejo, mas nunca me dispenso nem me ignoro.


 

23/04/2025

Para quem vem de longe,


a solidão, a única verdade dos caminhos.


 

20/04/2025

Antigo deus de argila


...deuses indistintamente verdadeiros...

 

19/04/2025

18/04/2025

Recuo


estratégico


 

16/04/2025

Para quem vem de longe


no seio do silêncio

 

15/04/2025

Uma pedra estava,


podia ser, sobre o caminho


(simetria involuntária)

(Henri Bergson, Le rire)

 

14/04/2025

paraguay barrios llosa


"Popeye Arévalo tinha passado a manhã na praia de Miraflores. Não vale a pena estares a olhar para a escada, diziam-lhe as raparigas do bairro, a Teté não vem, com certeza. E, efectivamente, a Teté nessa manhã não foi tomar banho."

(Mário Vargas Llosa, Conversa na Catedral)