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mingota

A mãe vem de Malanje para levar a filha com meningite ao Hospital. No Hospital não há camas disponíveis e a doente é rejeitada. A mãe pede então uma ambulância para levá-la a outro hospital e os servidores públicos pedem-lhe dinheiro por fora para tratar disso. A mãe não tem, sai a pé dirigindo-se a outro hospital público. A meio do caminho, na portaria da Televisão Pública de Angola, a jovem morre. Felizmente a Televisão pegou no assunto, o Ministro mostrou uma sincera tristeza e desapontamento, o hospital pediu desculpas e disse que ia punir os funcionários - mas reafirmou que não podiam receber a doente por falta de cama. Isto acontece diariamente, não só aqui mas agora foi notícia entre nós. E a única novidade é essa. Na verdade, a maioria de nós não tem a menor noção da responsabilidade na profissão; vigiar e punir os irresponsáveis é ainda considerado muito feio, exemplo de repressão que lembra os velhos tempos. A subserviência com que nos damos a ordens injustas e acenos de corrupção, a gula com que todos os dias vemos tanta gente aproveitar-se das mais pequenas necessidades para extorquir dinheiro no que deviam ser serviços públicos, só têm contraponto no desleixo, desprezo e desconsideração com que tratamos o conceito de dever e de responsabilidade pública, social, humana. Provavelmente nem vão sofrer grandes consequências os escroques que tentaram extorquir dinheiro à mãe aflita. Mas o que seguramente ninguém fará, muito menos os responsáveis que chegam tarde, saem cedo e despacham os subordinados aos 'bafos' para fazerem o serviço deles, muito menos os responsáveis irão estar lá, sempre que necessário, para vigiar e corrigir comportamentos destes. Enquanto não mudarmos essa mentalidade, ironicamente cultivada anos a fio pelo monopartidarismo, não adianta mais nada. Nem mesmo ir morrer à porta da Televisão.

29/06/2009

as mulheres do pai dele

Continuo avesso a ler romances, em particular os mais longos. Recentemente os romancistas angolanos mostram tendências acentuadas para a prolixidade e Agualusa vai pelo mesmo caminho em As mulheres do meu pai. Eu, pelo contrário, estou farto de palavrismo. O autor continua a demonstrar uma razoável capacidade de efabulação, escreve com facilidade e várias vezes com beleza, mantendo algum suspense sem exagero. São qualidades a seu favor. Mas não se percebe tanta prolixidade, capítulos ou sub-capítulos perfeitamente desnecessários, alguns sem qualquer relação com os enredos em jogo; não bastando, somos constantemente interrompidos por notas de rodapé que, ou ficavam perfeitamente ao correr do texto, ou não fazem lá falta nenhuma, somando-se-lhe ainda notas de um adolescente que pela primeira vez consulta o dicionário Houaiss (maravilhoso sem dúvida, o melhor em língua portuguesa); por demasiadas vezes as personagens apresentam pensamentos ou falas demasiado longos e literários; parece que o nosso amigo desatou a escrever como se ganhasse por página, ou quer concorrer com a prolixidade dos outros, que em nada abona em favor deles também. Outro aspeto em desfavor prende-se ainda com as falas e os pensamentos das personagens: falam e pensam todos da mesma maneira, com poucas diferenças de conteúdo (algumas muito explícitas, como que para marcar, o resto quase não existe), mas sobretudo sem diferenças ao nível da própria linguagem. Falam todos e escrevem como o próprio autor. Ora o autor faz um jogo em que cada capítulo ou sub-capítulo é uma fala, ou um escrito, de uma personagem, como fez Pepetela no Mayombe e muitos outros em muitos outros livros. No caso de As mulheres do meu pai o jogo não contempla qualquer indicação de quem está a falar ou escrever. É um truque para envolver o leitor, mantendo-o entretido também com a adivinhação de 'quem será que fala desta vez'. Aí Agualusa foi esperto. Só que, para isso funcionar assim, é preciso dar um mínimo de diferenciação à fala-escrita das personagens, que devem de resto ter algo próprio, e o que vemos é que a sua (mínima aliás) definição social e psicológica não vê correspondência na sua expressão. Ainda em desfavor a facilitação dos enredos, em que tudo dá miraculosamente certo (deus ex machina diriam os clássicos europeus), tudo combina com demasiada facilidade, para dar jeito a quem escreve e há qualquer coisa, continua a haver neste livro, qualquer coisa de enredo de telenovela ou fotonovela. Não sei se o autor pretende ver uma obra sua transposta para a televisão, mas isso, na minha opinião, prejudica. Faz do enredo uma manta de retalhos cozida à pressa, labiríntica como convém às novelas, mas em que os fios que desenredam o labirinto são muitas vezes forçados e de um gosto ora demasiado sentimental, ora demasiado policiesco. De um policial, porém, de receita simplificada para resultados rápidos. Em resumo, temos aí mais um livro oscilante de um autor oscilante, embora com notórias capacidades. Provavelmente Agualusa passará ao lado de uma grande obra, de que nos deixará alguns bons sinais apenas. A crítica angolana, de forma muito geral, continua a ignorá-lo. Faz mal, porque a sua obra continua a ter interesse apesar destes defeitos (e há outros maiores em romancistas angolanos reverenciados). Merece, pelo menos, que estejamos atentos a ela, porque tem bons e excelentes momentos, sobretudo nas narrativas curtas. Mas, se não o ignorasse a maioria, teria razões para elogiá-lo e criticá-lo. Como não o lêem, os jornalistas culturais e críticos que por aqui se promovem, grandes cérebros do vazio que lhes atordoa a cabeça, atuam como muitos em Portugal: fazendo uso da má-língua em surdina para 'queimar' alguém que, se queriam 'queimar', deviam fazê-lo com o papel dos seus livros.

28/06/2009

hermano lopes da silva

"O verdadeiro artista terá que, em momentos, libertar-se do seu mundo, fingir que afinal a obra que lhe sai não lhe pertence nem a ele nem ao próprio mundo que os alberga"

(O Liberal, Cabo Verde)

frases

Às vezes há frases que nos aparecem na mente não sabemos porquê. Deixam-nos a pensar indefinidamente. Possuem uma força que ultrapassa a nossa capacidade de raciocínio, pelo menos imediato. Aí compreendemos a energia das karjas, de orações curtíssimas, de paradoxos zen, falha-me agora uma palavra para a Índia mas isso é conhecido, enfim, peixes de luz na água da noite. O melhor a fazer com essas frases é partilhá-las tal qual. Sem envolvê-las em paninhos mornos, palavrinhas xoxas para fazer um poema, imagens suaves como lã para adormecer os olhos. Deixá-las aí com tudo o que são, comovidamente: um 'flash', um 'insight', uma súbita iluminação rítmica e reflexiva. Uma bomba-relógio com ponteiros a mais. Peixes de luz na água da noite

jadum, nigéria

"Quando um pobre come ervilhas come depressa para não ter de as partilhar" (tirado da revista em rede Farafina)

24/06/2009

herberto hélder - poesia

"exercício de um poder/ tão firme e silencioso como só houve/ no tempo mais antigo" (citado por Maria Estela Guedes na edição mais recente da Agulha)

édouard glissant

"A literatura é a possibilidade de exprimir o que é difícil, ambíguo, impossível" (de uma entrevista publicada na revista Agulha, número mais recente)

nova águia

Lançamento da revista Nova águia amanhã, dia 12, em Luanda. Haverá poesia. Parece que também Vamos ter políticos, diplomatas, diplomados, advogados, muitos casos, tudo o resto. Escritores. Mas haverá poesia Se alguém sabe dizê-la Há Verá

10/06/2009

luís de camões

Verdade, Amor, Razão, Merecimento, qualquer alma farão segura e forte; porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte, têm do confuso mundo o regimento. Efeitos mil revolve o pensamento e não sabe a que causa se reporte; mas sabe que o que é mais que vida e morte, que não o alcança humano entendimento. Doutos varões darão razões subidas, mas são experiências mais provadas, e por isso é melhor ter muito visto. Cousas há i que passam sem ser cridas e cousas cridas há sem ser passadas, mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

às vezes coincidem

Regresso e Despedida

Desenham inquietas

Acácias as ruas onduladas

No paciente chão materno.

Foi pouco — estame foragido ­—

A palavra que me negaste. Em silêncio,

A curva errante fechará os olhos

E a música das águas que flutua

Contornando o céu. Na linha das mãos,

Irónicas e nítidas

A suarem a seiva das raízes,

A infância alegre,

Genuína e partilhada,

Recolhe-se também,

Violada saudade sobre a terra.

Crosta migrante, crioula

De sangue e sal

A palavra,

O estame foragido.

Vieram bombeiros apagar-lhe o fogo.

Pouco negaste: o silêncio

Fala por isso.