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nelson pestana

Mais um bom artigo deste ensaísta e cientista político (e político) angolano. Para os que possam, ler o semanário Agora na última edição. Apenas uma discordância: parece-me que, quando José Eduardo dos Santos fala em mais ação (novo acordo...) e menos palavras está mesmo a pensar na verborreia habitual de muitos dos seus ministros e outros membros do governo.

27/10/2008

sousândrade - visões

"Uma luz que concentra-se a extinguir-se Dando mais claridade ao pensamento Quanto a tire aos sentidos" (o primeiro verso é cacofónico mas tem uma riqueza conceptual muito rara na poesia romântica brasileira - e portuguesa)

25/10/2008

molo momar - epopeia songay

O cavalo branco do songay Mamar

Levanta na pólvora da flecha de Burroughs

A maçã da musa leonina, mosca

Sobre a cabeça do condenado

Em sete segundos sete,

Sem milímetros nem desvios

Sete vidas, sete, pretas.

O cavalo branco do songay Mamar

Levantava os pés do djassere sobre

O rio, levanta

O próprio Daúda sobre as águas claras,

Sobre o lago Yin. Voltou com a nuvem,

A poeira branca do reino Songay,

Quando os seus poetas tornaram a cantar

Nas lâmpadas mágicas dos sinos escuros.

21/10/2008

confraria da alfarroba

as chaves de marfim rodam sobre as sombras das chamas minto tanto quanto posso e falsifico as mentiras até que se tornem palavras dos outros as minhas costas sustentam o céu (MAS)

melastomáceas: inventor de harmonias

O vário glabro

Supero ou ínfero

Porém palustre.

A liberdade

verticilada

Inflecte no

Botão das pétalas.

Arte límpida

Som e lei

Fruto e baga

Ornamen

Tado estigma

Subcapi

Tado

Luaxi

Lar, i

números

19/10/2008

karl popper e antónio damásio

O capítulo «O problema corpo-mente e o mundo 3», da Busca inacabada de Karl Popper aproxima-se e afasta-se do que veio a ser a teorização de António Damásio. Como exemplos de aproximação, dois: a propriedade e a intensidade com que recorrem à expressão "consciência de si"; a conceptualização da palavra "disposicional", o uso desse conceito, em Damásio mais nítido e completo funcional e biologicamente. Quanto a afastamentos, penso por exemplo numa ausência que me deixou perplexo: ele nunca cita Piaget para verificar estas hipóteses. As leituras de Descartes podem estar na origem de mais uma diferença, levando Popper a um dualismo que prejudica o seu conhecido interacionismo. Porém, quero reportar-me especialmente à colocação relativa dos conceitos de 'mente humana' e 'linguagem humana'. Na p. 263 dessa obra ele fala da "mente humana como produtora da linguagem humana", para a qual temos "aptidões" que "são inatas". Esse inatismo mal definido e a relação directa mente-linguagem parecem-me ultrapassados pelas investigações e hipóteses de Damásio. A partir daí podemos afirmar com segurança que há uma linguagem das imagens anterior à (e suportando a) linguagem verbal. Essa linguagem das imagens pode ser descrita já como uma protolinguagem ou o hipertexto da nossa linguagem verbal. Ela é já um mecanismo de auto-regulação (uso o termo de Piaget, Popper usa "governo doméstico" - p. 262) do organismo, na sua relação com o meio e na sua relação consigo próprio. Apesar de ver a "mente humana como produtora da linguagem humana" Popper vai colocar "a base fisiológica da mente humana" no "centro da fala" (pp. 263-264). Isto apesar de ela ser um dos mais altos "centros de controlo" (de auto-regulação). O facto de na altura não termos o conhecimento que temos hoje de como funcionam a mente e a linguagem terá contribuído para esta espécie de reducionismo fisiológico. Os livros de Damásio, com particular ênfase, nos ajudam a construir uma hipótese e uma visão holísticas, por assim dizer. Não há propriamente centros de fala ou de pensamento, embora haja zonas especialmente activas do cérebro quando pensamos, falamos ou simplesmente formamos imagens. Mas todo o cérebro, ou quase todo, é envolvido, incluindo zonas que pareciam neutras para a questão. Os 'centros' são mais é nódulos principais do processamento final de um grande sistema de auto-produção e Damásio avançou com uma hipótese neurobiológica sem precisar de levar em conta "a linguagem e os objectos do mundo 3" (p. 265). O tal orgão que Popper tanto procurou percebemos então que seja o próprio cérebro a funcionar e interagindo com o corpo. Essas hipóteses desfasadas hoje, como também a teoria dos dois campos ou hemisférios, devem-se aos limites do conhecimento científico da época (ele cita, sobretudo, obras do fim dos anos 60, o que era inevitável, uma vez que a edição revista é de 1975). Mas isso não obscurece as cintilantes intuições do seu raciocínio (uso a palavra intuição fora do debate filosófico sobre o intuicionismo - apenas levando em conta a sua definição etimológica). É o caso dos "dois problemas" em que subdivide "o problema corpo-mente". Os "dois problemas" em que subdivide "o problema corpo-mente" são: o de "uma relação muito íntima entre estados fisiológicos e certos estados de consciência" (julgo que pensava na dor de dentes como exemplo) e "o problema muito diferente da emergência do eu e da sua relação com o corpo" (p. 265). Damásio trata dos dois problemas e desenvolve bastante a reflexão sobre o segundo. Fica-me a curiosidade de saber como Popper reagiria, melhor, pensaria as teorias e os dados trazidos por Damásio e pela sua equipa.

17/10/2008

avançando nas desoras II

Avançando nas desoras ri-me pensativo da longa persistência dos estudos da redenção, da linguagem e do conhecimento na biopsia dos testículos esteréis. Vem e segue-me: renascem continuamente, levantam-se para caírem mais à frente no húmus desajeitado que será talvez a dissidência da sua vocação de escória. Vem e segue-me: em nome de um Deus-pai reanimados, avançam nas desoras para as sementes que os absorvem, numa estória de bichos do mato, sobre um casco de pedras sifilíticas, hipodérmicas e ulceradas. Avançam para as novas largadas de cartilha alternativa, quilha colonial e espírito de aventura atirado à noite sobre as dunas. Conchas leves, ondulantes e afirmativas nos milagres da mão parando as desoras. Das folhas mortas, sem cor já, pisadas, esquartejadas, a desfazer-se em água e terra podre, cogumelos e líquenes, o parasita vem salvar as políticas de cooperação para a inenarrável memória dos dejectos que alimentaram os príncipes no sacrifício propiciatório dos rituais de vítimas animadas. E no entanto é possível encontrarmos razões para cantar. Inevitavelmente nos depuramos para deixar em letras de ouro chamejante o nosso corpo no livro das bem amadas. É o consolo da fuga nas desoras da verdade. Conquista agrícola, sem dúvida, mas também hidráulica, alvorecendo mãos desconhecidas com a luz esperançada que chispa nos olhos aflitos dos emigrantes que chegam escondidos para descobrir as paralogias da glória. Porém, se lhes deres espaço, eles roubarão versos extirpados das entranhas. E aí sim, terás razão para cantar.

(21-10-2006)